- Você vai virar homem, vai ter filhos e vai dar muita alegria aos seus pais. Disse a cantora Joelma, da banda Calypso à um rapaz homossexual. Eles vão ficar assim... radiantes. Sem dizer papai do céu, que vai ficar assim, maravilhado, finalizou.
Em um vídeo publicado no Youtube, supostamente gravado por um - outro(a) - fã da banda, a cantora aparece abraçada com um jovem, em uma conversa nada inocente sobre a sexualidade do rapaz.
Em tom sereno de voz, Joelma diz ao fã que ele vai 'virar homem' e 'ter filhos'. Nas entrelinhas das investidas da cantora, o rapaz responde em tom brincalhão, mas verdadeiro, que 'seus pais já são felizes com ele, do jeito que ele é' e que no caso dos filhos 'ele pode adotar'. Ela, Joelma, parece ignorar suas respostas e continua dizendo que o 'papai do céu', supostamente um deus daqueles que seguem algum tipo de doutrina religiosa, ficaria satisfeito caso o menino virasse homem, ou melhor, deixasse de ser homossexual para ser heterossexual, gostar do sexo oposto ao seu.
A ignorância começa não pelo teor do comentário, mas pela maneira em que foi colocado: ser homem no contexto da cantora seria ser 'heterossexual', porque no caso do fã ele já é um homem: tem um pênis, barba na cara e naturalmente um nome masculino. Agora, caso formos analisar a intolerância, a cantora não é a única culpada desses pensamentos ardilosos que escaparam de sua boca que solta gritinhos agudos.
Joelma demonstra-se membro ativo de uma grande parcela de pessoas que ainda atribuem a homossexualidade à um pecado, um distúrbio psicológico, à uma ignorância peculiar daqueles que ainda persistem numa discussão preconceituosa de caráter religioso e social machista.
Isso não acontece só nesse caso. Acontece com mulheres, nordestinos, negros e todas as grandes chamadas minorias. Entre aspas, nunca gostei dessa classificação.
Não sou um utópico ao achar que um dia todos seremos iguais e viveremos com pessoas que aceitam as diferenças. Somos diferentes e isso deveria servir de motivo para nos aproximar.
Não cabe também, entrar em discursos de gosto ou preferências musicais, visto que esse discurso enlatado partiu de uma vocalista com milhares de fãs. Há quem goste das músicas do Calypso e há quem não goste, mas o que entra em questão é que, mesmo com essa estrada toda, esse glamour e milhões de cd's/dvd's vendidos ainda haja, de maneira oculta, um pensamento tão pré-histórico e manipulado quanto o discurso da cantora no desenrolar de 35 segundos em vídeo.
Esses dias, com uma amiga em uma estação de trem, vimos um homem usando uma calça muito apertada, unhas pintadas e dançando puts-puts em seu tablet branco. Minha amiga, ao ver o personagem, olhou para mim e disse que 'se eu fosse daquele jeito, ela me batia'. Percebi o quão difícil é agirmos sem preconceitos em um cenário que jorra situações favoráveis para colocarmos em prática nossas pedras e nossas injúrias enrustidas. Nossos valores, muitas vezes são formados por uma cultura egoísta e pouco humana.
Perguntei à ela, porquê eu apanharia caso resolvesse vestir calças apertadas e rebolar na estação como o homem. Ela deu de ombros e manteve sua palavra.
-O que este homem está fazendo de mal para você? questionei.
-É verdade, ela disse num tom mais brando. Baixou a cabeça e viu o quão ordinário foi seu comentário e que, aquele menino de unhas pintadas estava feliz e sem afetar sua individualidade.
Enquanto algumas pessoas tentam agir sem julgamentos pessoais, percebemos que outras pessoas são cheias de pré-julgamentos, de ideiais pessoais, passando por cima do cinismo e escancaradas em vídeos amadores na internet, como infelizmente aconteceu com Joelma. Eu também tenho meus julgamentos, todos temos e precisamos trabalhar nossos preconceitos a fim de exterminá-los como se extermina uma gripe com benegripe.
No outro dia, minha amiga disse que sentiu vergonha de si mesmo por ter feito aquele comentário homofóbico contra o menino da estação. O questionamento que fiz à ela, serviu de reflexão para um preconceito ser cortado em sua raiz e retrabalhado em situações futuras.
Muitos fã de Joelma, que admiram seu trabalho, ficaram indignados com seu discurso curto, abraçado com sua causa. No twitter, a cantora respondeu não ter preconceito contra homossexuais e disse que até tem um amigo gay. A questão ali, ao meu ver, não é preconceito, mas fruto de uma sociedade hipócrita, discurso pronto.
Não espero que ela seja punida, mas espero que algum dia apareça alguém e apresente à ela um outro lado, para desmistificar esse pensamento. Mesmo não mudando de opinião, ao menos terá bom senso quando for apresentar valores que possam deixar papai do céu digamos assim... maravilhado a seu ver.
Joelma faz grande sucesso nas regiões norte e nordeste do país. E sabemos que, infelizmente, nordestinos enfrentam
muitos preconceitos quando migram de seus estados para procurar outra
vida em grandes capitais. São Paulo é uma delas. E isso deveria servir
de motivo para ela se juntar à tantas vozes que procuram igualdade dentro
ou fora de seu estado ou em qualquer lugar do mundo.
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