domingo, 26 de dezembro de 2010

O sol

Os olhos que não se abrem para o brilho. Ele está, sobre as pálpebras, está. Não cura, ameniza.
Sobre as flores, paira a sabedoria dos poetas e acima do céu, que entre dias é cinza, entre outros, azul, mora o mistério que abre os caminhos ante a escuridão. Não digo mora, mas fica, nasceu e vive reinando por ali.
Mortal e vívido, entre frestas de madeira, no caminho, nada dorme e acorda homens. Chama-os ao cansado fardo de encarar a terra. Os pássaros e o canto dos pássaros acompanham a cor da vida, anunciam o fim da noite, que pode ter sido boa, mas foi negra. A vida plena é amarela. A cor da alegria é amarelo, amarela. O, a.
O dia mais feliz tem sol, e não o sol, mas a obra dele. O homem é venerado por suas obras e com o sol não é diferente. Não que seja um homem, não tem brilho para tal. O sol que se vê daqui é aquele que outro amado vê, ao longe.
O sol que ilumina a frente da casa é o mesmo que ilumina os fundos. Os raios que aquecem são os mesmos que queimam. E todo dia o mestre está lá, do canto, vendo, mirando. Cumprindo sua obra.
Enquanto há estrada, a chuva molha e o sol remonta. O sol é a única proeza da natureza que pode enganar e encantar. Uma clara verdade que não se vê. Um ciclo.
O mesmo dia de agrado, de raios que iluminam os quartos, as ruas e as nuvens, é o mesmo dia que a mãe chora pelo filho, que se perdeu. Neste dia, também há a obra do sol.
Ilumina as lágrimas, traz uma dor de luto e assiste uma criança brincar perante o mar. Aquece o orvalho. É o mesmo, sempre. Elo de amor, luz de tristeza que paira sobre o paraíso. Ilumina as almas, os animais e os bichos de pele preta.
Canta-se ao redor do mundo, em línguas distintas. Vozes de gente sem vida, de corpos magros arrebatados de fé numa mazela física de melancolia. Irmão perdoa irmão, gente mata gente, neve evapora e se torna ar. O sol passa os raios, sua obra, seu caminho de quentura. Escaldante, livre, ameno e sem fim.
O mesmo calor que ajuda na colheita num canto dum mundo, abre horizontes para um homem que procura um grande sentido num dos seus dias, doutro. A obra, amarela de alegria, caminha. Ninguém vê, nem se lembra. Está no canto da memória.
Dias que merecem lembrança e aqueles que não se apagam. Não memoriza se no dia de maior tristeza havia sol, não se lembra se na escolha da alegria havia a obra do sol. Mesmo dia, ou noite, de olhos fechados, ou sem nomes para um, ou, para um que seja outro.
Caminhando solitário, tendo um amor de datas, perdendo ou ganhando, há um sol amarelo.