domingo, 7 de agosto de 2011

Cardiologista

Fui ao cardiologista. Novo, com duas décadas e mais alguns momentos de alegria, fui ao médico do coração. Fui para ele me examinar, para sentir que meu coração esteja em estado perfeito, fora da concentração de velhas doenças de ancestrais familiares. Fora a pressão alta ou a alta identidade que ando perdendo cada dia um pouco.
Ele era um velho ancião, de cabelos grisalhos, mas nitidamente lúcido. Não era desses velhos sem humor ou de lucidez pálida. Era um médico do coração.
- Tem alguma coisa errada com meu coração, eu disse
E ele olhou e viu que minha pele não era de quarenta e sim da metade. Soltou um sorrisinho de canto de boca e perguntou meu nome. Eu disse.
- Nome bíblico, sabia?
Sim, sempre soube, desde quando minha mãe me contou. Ficou surpreso comigo ali, sentado em sua frente, me preocupando com o coração.
Imaginou que eu tivesse um histórico familiar de cardíacos, daqueles que morrem de sopetão. Até que não, eu não tinha. Apesar de uma tia distante que morreu em frente ao fogão de lenha, de infarto ligeiro. Além de cair sobre as panelas que por sorte estavam frias, morreu sozinha em casa, mas sem tanto teatro. O coração parou por uma veia grossa que resolveu estourar no intervalo da novela, que tinha título com coração. Nem sequer mencionei essa tia. Ele colocou o aparelho no meu peito, sentiu as batidas e apertou minha nuca.
- Fuma?
- Não
- Bebe?
- Smirnoff
Riu.
As demais perguntas foram também de respostas rápidas. O exame não durou tanto tempo. O máximo que fiquei foi sem camisa. Alegou que meu coração estava bem e perguntou das dores. Respirei fundo antes de responder e falar sobre elas, eu disse que as dores eram o motivo de eu estar ali. Ficou sério enquanto tirava o estetoscópio das orelhas.
- Dores? Que tipo?
- De todo tipo. Sempre vêm à noite.
Pediu para que eu explicasse melhor e de que lado era essa dor. Exemplifiquei colocando a mão direita sobre o peito e disse que não tinha momentos para senti-las, mas elas sempre vinham quando o céu escurecia e principalmente quando eu via os postes de luz se acender. Contei que as ruas ficavam vazias aos poucos e o céu bonito de estrelas e as dores vinham a partir daí. Silenciosa, quieta e quando eu percebia, todo meu peito estava cheio de dores fortes.
Perguntou se essas dores eram constantes, ao mesmo tempo em que estranhava tais dores virem sempre à noite e pelos motivos que expliquei. Postes e lua no céu não são motivos para dores no coração.
Eu insisti que são. E reais.
Puxou uma prescrição médica, uma folha branca a ser preenchida e disse que tudo isso podem ser neuroses da mente. Problemas da psique não explicados, pelo menos por ele. Nada físico ou necessariamente no miocárdio. Não pude, nem consegui contestar.
Disse meu nome bíblico e destacou a folha devidamente preenchida. Nela não continha tantas letras e nem menos carimbo de assinaturas. Havia apenas uma palavra, que era facilmente traduzida como dores e sofrimento que um dia passam.
‘Amor’ era o que estava escrito, em uma língua que eu ainda não consegui entender.