sexta-feira, 16 de julho de 2010

278, 4º andar

“Sentado em uma cadeira azul de roldanas móveis, questionou se eu queria mesmo escutar. Eu disse que sim. Então, ele começou a contar”

Parte I

Disse que o apartamento onde morava com o pai, há uns oito ou nove anos, estava no quarto andar de um prédio próximo à linha verde do metrô. Era um apartamento relativamente grande para duas pessoas, ainda mais para dois homens, que costumam ter poucas coisas.
Ele ainda não tinha entrado na faculdade, mas já havia terminado o médio. Namorava uma garota da mesma idade que ora ou outra visitava seus cômodos. O pai trabalhava como entregador e durante a manhã, tarde e início da noite estava na rua, ou melhor, nas ruas, andando, encaixotando e dando destino às pacotas de madeira oca. Tinham uma empregada, nordestina de fé, que tinha no rosto um semblante cansado, visto por alguns detalhes de rotina pesada em banheiros de outras famílias. Apresentados os personagens, embora ainda haja outros por vir, digamos que não são somente estes que fazem parte deste enredo.
Ele, o autor da história e vivente dos fatos, dizia que do seu quarto ouvia-se alguns estalos vindos da cozinha. Desconsiderando que as lâmpadas queimavam com freqüência, as casas em geral estalam, seja nos móveis, na parede ou até mesmo nas janelas que foram mal fechadas. Engraçado o fato de algo inanimado, ora ou outra, estalar, mas assim o são, mesmo os apartamentos. Talvez tenha sido isso que ele tenha ouvido da cozinha.
A situação começou a ficar desagradável quando algumas louças batiam umas nas outras durante a madrugada. Antes de dormir, pegava na cozinha um chá ou suco e, depois, o vidro, a panela e as vasilhas de plástico pareciam ser vasculhadas vagarosamente, em alternâncias de ruídos. Somente ratos poderiam fazer essa baderninha, mas não.
Contou também que quando saía de casa, ou voltava, tinha a impressão de ver um semblante humano, raquítico passar pelas ventas. Ora saía de traz da porta, ora estava no quarto na beira da porta. Esse suspense todo o fazia acordar no meio da madrugada, com medo e com a sensação de que alguém estava observando-o, bem de perto e mesmo quando acendia a fronte do celular ou até a luz do quarto, não via nada, mas algo estava com o que quer que seja mirando-o enquanto dormia. Já chegou a ter a impressão de ser despertado, com uma figura sólida encostando em suas costelas. No cansaço dormia novamente, mas no outro dia, analisando os fatos, estranhava esses despertares.
Eram católicos, ambos. Pode-se dizer que não praticavam a fé dos domingos ou dos jejuns, mas tinham na raiz um tanto de alicerce apostólico. Vez em quando, rezava, mais pela situação de medo do que prestação de contas com o divino.
Num sábado, depois de um feriado, o pai resolveu gracejar nas paredes e pendurar umas molduras pintadas a óleo. Eram dois ou três quadrinhos que foram dispostos entre a parede da sala e o lavabo. A empregada, vinha pelo elevador de serviço e todos os dias passava pelo vidro que antecedia a porta principal, que dava acesso à sala. Costumava engomar as roupas na cozinha, enquanto assistia numa tela CCE de 15 polegadas, suas novelas de tarde.
Ele já sabia que ao abrir os olhos de madrugada, ouviria o balancear das louças. Ela não.
Um dia, ele trouxe a namorada para dormir em casa. O pai chegaria tarde e já estava cansado de trocar telefonemas demorados para conseguir pegar no sono. Ela estava com ele esta noite e pela primeira vez, chegou a querer ouvir os barulhos para compartilhar do medo com a garota. A madrugada foi silenciosa.
No dia seguinte, a empregada, bateu sutilmente na porta e disse que o café estava pronto. Ofereceu para a namorada, pois sabia que ele não gostava de café. À tarde, saiu pela cidade e voltou à noitinha, quando as luzes alaranjadas do poste invadiam levemente a sala.
Era comum acender todas as luzes, mesmo para atravessar de um cômodo a outro ou para ir ao banheiro no meio da noite, o que evitava. Do medo do escuro, talvez fosse explicado pelos medos que sentia quando criança, ou por um medo universal do que não se vê.
Um dia, ao acordar, ouviu gritos de um homem vindos da sala. Pensou ser nas proximidades ou na rua, mas eram nítidos, até altos. Não entendia o que o homem pronunciava, mas estava irritado com alguém.
Saiu descalço do quarto e o pai o impediu de chegar na sala. Questionou se havia alguém dentro da casa e o pai não queria dar respostas imediatas.

Parte II


Depois de uns quarenta minutos de gritos e bravios pronunciamentos do homem, sentaram-se os três enquanto o homem explicava os fenômenos que vinham acontecendo. O que demorou para dizer e saiu com certo desconforto, foi a afirmação que eles não estavam sozinhos na casa. O motivo do soco nas costas do pai durante o banho foi o que trouxe aquele estranho em casa. Ele estranhou seu pai não ter contado, mas como todo descrente, só aceitou o fato quando caiu no banheiro jurando que alguém o bateu por trás.
Um parêntese: Isso me soou óbvio demais, lembrei de Psicose de Hitchcock, mas ele não parecia mentir. E não estava.
O homem perguntou se alguma reforma havia sido feita na casa e o pai alegou que apenas os quadros foram recentemente colocados.
- Um morador antigo, ainda permanece no apartamento.
O pai não acreditou e pediu detalhes.
- Uma senhora, morreu aqui, e não quer que sejam feitas mudanças em ‘seu’ apartamento.
O pai, descrente chamou o porteiro, para perguntar sobre os antecedentes do lugar. Preferiu o homem dos portões, por sua simplicidade nas palavras e por não saber burlar algumas situações, mesmo tentando.
- Uma velha morava aqui, disse o negro. Morreu aí dentro, não lembro do quê. Os filhos venderam depois para um casal antes do senhor, mas eles mudaram para outro estado.
Atônitos, passaram a acreditar na história do homem que a pouco gritava na sala, e que sugeriu uma série de orações e rezas oriundas do espiritismo, para afastar quem, ou o quê estivesse ali de intruso, ou intrusa, no caso da velha.
Contou-me que o fato de ser uma senhora podia amenizar o peso de, se caso, algum dia chegasse a ver algo. Afirmou que não agüentaria e entraria em estado de choque. A figura de uma anciã andando pela casa, remexendo as louças ou mesmo de perfil ao lado da porta fazia com que sua cabeça projetasse imagens que não existiam. E sabia que não existiam. Diferente dos barulhos que rondavam seu quarto e não passavam das paredes da cozinha para fora do apartamento.
O pai pediu sigilo, referindo-se à empregada. Visto pelo salário que pagava e pela confiança conquistada em algum tempo de louças lavadas, sem ruídos.
Depois, em seu quarto ouvindo o velho rock’n’roll, em volume baixo e solos trabalhados, começou a remoer as frases que o homem jogou ao ar enquanto explicava quem está na casa, como primeira pessoa. Ele interpretou e raciocinou apenas a parte ‘... há mais alguém aqui’ e nada depois disso teve sentido ou foi entendido, pelo menos por ele. O fato extraordinário em imaginar que um ser, ou um espírito que seja, luta mesmo depois da morte por um espaço terreno soa até engraçado, mas esse gracejo mórbido acaba quando a luz do seu quarto se apaga e a porta lentamente vai se fechando, numa velocidade incrivelmente demorada. Imediatamente levantou-se e tocou o interruptor. A luz não acendeu. Correu para a sala e conseguiu iluminar o cômodo. Olhou para o quarto que ainda tocava música. Quis sair do apartamento, olhou pela janela e viu a rua. Estava vazia, a não ser por um homem sentado na porta de um bar de esquina.
Retornou ao apartamento onde estava todo seu corpo. Irritou-se e gritou com tom de mandamento, ordenando que a coisa o deixasse em paz. O espírito tinha que entender que eles que pagavam o aluguel e se a briga fosse pelo lugar, mesmo no além haveria de ter acordos, financeiros ou de qualquer outra ordem.
Voltou ao quarto, ainda falando alto, não querendo ser importunado. Aumentou um pouco a música que serviria de alívio para aquele momento de repúdio com uma senhora intrometida e invisível.
Quando percebeu acordou no meio da madrugada. Não soube como adormeceu, mas acordou e com um barulho. Alguém andava dentro do quarto. Sentiu um arrepio nos pés que repentinamente passou para as costas, o que o obrigou a se comprimir na cama e perceber que o som estava ainda ligado. Embora o disco tivesse acabado de tocar, no visor marcavam exatamente duas da manhã. Não era som de passos que estava dentro do quarto, mas rangidos que vinham da porta e da parede atrás dele. Embora pudesse ser milhões de outras hipóteses, o maldito espírito era o que rondava sua cabeça. Dormiu novamente, mas só se deu conta disso quando acordou no outro dia com a empregada passando roupa na sala, com sua filha de sete anos, ao lado.
A empregada não conseguindo disfarçar sua ansiedade, deixou o ferro quente e andou dois passos segurando a mão da menina, para falar com ele. Assim que o viu sair do quarto, a mulher com os olhos lacrimejantes perguntou quantas pessoas estavam com ele na manhã passada, quando estranhou uma festa acontecer às sete da manhã de uma quinta-feira quando chegava no apartamento para mais um dia de trabalho.

Parte III - Final


Chorando. Era assim que a empregada estava, segundo ele, mas num choro tão miúdo que se confundia com um bocejar mais volumoso, pois ambos fazem os olhos ficarem molhados. Sua angústia, ao mesmo tempo que transmitia um sentimento de dó, dava medo pela aparência da mulher.
Contou que, ao sair do elevador, ouviu vozes de pessoas conversando, murmúrios de sílabas misturadas e passos para todos os lados no cômodo interno. Visto que estava ainda no corredor que dava acesso à sala principal, entrou por outra porta, direto para a lavanderia e não quis incomodar as sucessivas conversas de dentro da sala. Não conseguiu identificar nenhuma voz, como a do patrão ou do filho dele, mas seus tímpanos logo reconheceram timbres masculinos e agudos femininos, mais agudos que o convencional. “Uma festa” pensou “... mas essa hora?” pensou logo depois.
Deu início às tarefas do dia, entre panelas e a mesa que ainda estava com louças do jantar. Em pouco tempo ocupou-se com a cozinha e não se deu conta que as vozes haviam sumido. Não ouviu nem porta da sala, nem o apito do elevador ao abrir suas portas magnéticas. Estranhou. Chegou perto do box de vidro da sala, tocou a ventana que a ajudou a abrir e viu o vazio, a sala como havia deixado no dia anterior. Era quinta-feira. Manhã de quinta, com sol e sem ninguém no apartamento, além dela.
Teve medo do sofá, do rack, da televisão e de toda a sala, ausente das pessoas que falavam freneticamente há uns dois minutos, ou menos. Tentou lembrar como pôde não ouvir as vozes sumirem e se realmente aquele murmúrio viera daquele lugar quando chegou. Não conseguiu pensar, estava parada, sem entrar nem recuar. Surpreendentemente, a sala estava quente, abafada e pôde jurar que pessoas acabaram de sair dali. Pensou em Santa Fátima, Nossa Senhora Aparecida e por fim, disse baixo o nome de Jesus, santo e misericordioso. Pediu um perdão baixo por algum pecado que podia ter cometido e invocado aquelas vozes para lá. Não, a sala estava vazia e agora, o autor dessa história ouvia sua empregada, contar e soluçar sobre o ocorrido daquela manhã de quinta.
A pequena menina, que agora já tinha sua mão apertada pela mãe, olhava para o rosto molhado e triste dela e quase chorou junto, mas teve vergonha do filho do empregado que fixamente prendia seus olhos no chão ao ouvir a mulher e ver a menina ao lado.
- Rezei o terço, na verdade o rosário e agora só vou trabalhar aqui se minha filha puder vir comigo. Sozinha aqui, eu não fico mais.
Ele disse, contando-me, que ficou sem palavras, sem reação e entenderia se a mulher quisesse ir embora dali, pedir demissão ou mesmo abandonar o emprego. Aquilo pareceu afetá-la mais psicologicamente do que fisicamente, com um medo de algo que não podia explicar. Sua raiva estava aumentando e naquele momento permitiu (ou até pediu) que ela fosse embora, queria ficar a sós, sozinho de verdade.
Assim que a empregada saiu, foi até a geladeira, pegou um pedaço de mortadela e jogou num pão de forma sobre a mesa. Comendo, andou pela casa e olhava com um certo poder de superioridade todos os cômodos. Desde a sala e especialmente a cozinha de onde vinham os rangidos e o bater das louças na prateleira.
Ouviu a porta da sala se abrir. E fechar.
- Pai? Gritou desejando que fosse o pai. Não era ninguém, nem nada.
Começou a brigar, esbravejar, jogar palavras às paredes do apartamento enquanto pedaços de pão e mortadela recém mastigadas surtiam de sua boca. Xingou o espírito, amaldiçoou a vida que aquela velha teve, insultou na cozinha, no quarto e prometeu que iria afastá-la dali. Era sua casa, seu apartamento e estava ficando difícil essa convivência quase real com algo inexistente. Chorou, quis rezar e acabou chutando a mesa de centro da sala. O vidro quebrou. Sua fúria aumentou e foi à cozinha derrubar toda louça que estava na prateleira. Gritava, chorava junto, machucou a mão, não percebeu.
Quando parou, o apito do elevador soou longe. Ouviu passos e logo o barulho do trinco. O sangue escorria em sua mão e assim percebeu o quanto o apartamento estava escuro, mesmo com o sol lá fora.
Sua vista ficou turva, os olhos encheram de lágrimas e uma fúria invadiu sua mente, mas não se levantou. Viu uma sombra cruzar a sala e entrar na cozinha.
- Vamos nos mudar, disse o pai.
No mesmo dia, mais a tarde, nenhuma palavra foi proferida sobre as panelas no chão que sequer foram arrumadas no armário, ou sobre o sangue em sua mão que já havia coagulado. O pai parecia triste, demasiado amedrontado e não proferiu nenhuma palavra a não ser para questionar sobre determinada peça de roupa ou dar uma ordem boba ao filho. Já ele, o filho, não questionou o que o levou a tomar aquela decisão tão repentina de mudarem de apartamento, mas se fosse para se arrepender, preferia o fazer quando estivesse longe dali e não contrariou o pai.
- Aluguei dois cômodos na Consolação. Ficamos lá até conseguir alugar esse aqui ou mesmo vender.
Não desejava que ninguém morasse ali, visto pelos tormentos que vivenciaram durante meses entre aquelas paredes.
Um barulho vindo da sala, como um líquido derramando, chamou a atenção de ambos, mas o pai em um tom sereno e cansado incentivou a não averiguar.
- Nenhum móvel da sala será levado. Deixe tudo ali.
Saíram do apartamento levando apenas as roupas e alguns pertences. O caminhão viria mais tarde para levar os móveis do quarto e cozinha. Pormenores, como panelas, vasilhas e os quadrinhos da parede seriam todos queimados, pelo zelador. Isso foi o que o pai disse enquanto desciam as escadas.
No outro dia, a empregada tocou a campainha às sete e quinze da manhã. Em demoradas pausas, tocou cinco vezes e toda vez, ouvia a campainha ecoar dentro do apartamento vazio. Entre um toque e outro, se negou a olhar pelo olho mágico. A filha a acompanhava.
A maçaneta da porta girou levemente e o pai abriu com um sorriso largo e com o sol invadindo toda a sala.
- Entre, disse.
Ela entrou e logo o filho, longe do apartamento, lembrou-se que a porta abriu duas vezes. E fechou duas vezes.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Festival Latino Americano de Cinema em SP

Entre os demais que foram conferir o evento, eu estava trabalhando, mas sondando os cineastas que andavam por lá e que traziam consigo las películas prontas. Penso o quanto já fizeram para gravar e montar suas produções. Com fotografias belíssimas e recortes interessantes nos enredos, o cinema argentino, boliviano e também o brasileiro, erguem o chamado 'estímulo' para um novo cenário nas produções latinas.
Vídeo gravado no dia 12 de julho de 2010, no Memorial da América Latina, na abertura do Festival Latino Americano de Cinema em São Paulo. Fomos conferir o evento e o filme "Água fria do mar" da Diretora Paz Fábrega, super jovem e nos cedeu uma entrevista. Imagens e edição desse que vos escreve e anseia também por una película particular futura.


quarta-feira, 7 de julho de 2010

Liberdade, liberdade


Embora eu (ainda) não use Black-tie, já me sinto muito próximo de compromissos inadiáveis onde tenho em mãos o livre arbítrio de desistir ou não de tais afazeres. Levei-me a refletir sobre a tal liberdade enquanto, sentado no sétimo andar do prédio onde todos os dias ganho o pão que o diabo amassa comigo, estava a degustar de comida pronta em montes, em um dia ligeiramente ensolarado. Da vidraça fechada em minha frente, via ao longe duas das chamadas montanhas-russas a fazer pessoas gritarem e eu, a vê-las girar e voltar em trilhos de ferro bem estruturados, invejava em pensamentos aquele momento de êxtase momentâneo alheio. Mesmo em pouco tempo do passado, eu também já ter corrido naqueles trilhos, me questionei quem estaria sentado nos carrinhos coloridos em plena terça-feira, gritando, soltando gemidos de felicidade, enquanto eu, terminaria o bife e voltaria aos afazeres maçudos. Não só na montanha, mas também no kamikaze, na queda livre ou no algodão rosa de cor doce.
Eram adolescentes, em sua maioria, de pais-alicerces ou pai-dinheiro, que ainda, ou quem diga nunca, chegariam a preocupar-se com o pão e azeite para as crias.
Voltando ao conceito libertário, ou aos pensamentos que o rodeiam, questionei-me (ou a Deus, ou à vida, ou a quem queira responder) o que é ter liberdade, ou ser livre para divertir-se às terças, ao meio dia e pouco e ainda sorrir? Se ter um trabalho, sendo ele digno, não poderia pensar em cargos mais políticos ou que envolvam propina ou diplomacias mais rígidas. Nestes cargos, têm se muito dinheiro lavado, de outros e quase sempre os filhos é que gozam dessa vantagem. O pai, muito faz, paga mulheres da vida que executem bem o sexo enquanto fecham o vidro do carro para assim poderem gozar, agora literalmente.
Liberdade, pode vir também em forma de um bom emprego, um trabalho que seja ingrato no salário, mas te dá estabilidade ou instabilidade, depende do quanto você busca em termos financeiros para alternância dos significados. Porém, há controvérsias nisso tudo e nesse papo de voar sem limites. Em um mundo capitalista e mediocrático, ou trabalha-se para garantir a polenta e não sobra restos de tempo para as montanhas russas, ou se tem um maior que banque essas futilidades com sol no meio da semana. Ao mesmo tempo que abocanho a escarola, lembro que aos finais de semana, me sinto perdido, vagabundo até ou mesmo sem o chamado ‘ânimo’ para ir ao parque e apenas não fazer nada. O gosto teria mais tempero se naquele momento, naquele do almoço, eu deixasse o sétimo andar e fosse correr aos braços da liberdade que me garantiu aquele parque, que até então estava pequeno pela altura que eu estava.
Outro conceito, claro pensado e analisado por este que vos escreve, é ter férias, muitas vezes mal remuneradas, mal aproveitadas por ter prestações a pagar. A idade aproxima a aposentadoria e quando isso acontece, virão as rugas e o cheiro de tecido velho, que a labirintite não vai deixar cair de uma altura de sessenta metros içado a um cabo de aço.
E assim, fica no ar o que é ser livre, ter liberdade, viver as liberdades da vida. Ter emprego e não dinheiro? Dinheiro, quem pague e nada de prestígio profissional? Dinheiro, prestígio, beleza, quem pague e dias livres? Nestas arestas tenho medo da monotonia, isso com ou sem trabalho. Aguardar a próxima estação e nela descer ou pegar o primeiro trem e nele embarcar? E nisso juntam-se tantas outras pendências, como a ginástica, a balada, o sexo, um amor (que é o mais complicado deles) e instintivamente o emprego que nos tira, nos dá e nos questiona sobre essa liberdade auto-assistida.

Nota: “Depois, neste mesmo dia, já noitinha dentro do carro, ao filosofar com minha mãe sobre o texto acima, ela, me escutando e ouvindo o cri-cri do grilo, soltou: ‘Tudo é tão simples como o som do grilo’ Calei-me.”