segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Robson não jogava futebol


Robson não jogava futebol. Ficava sentado no palquinho do páteo, lendo um seiláoque, enquanto eu me distraía fingindo ser próximo no vôlei e intercalando no ping-pong da salinha. Na verdade eu tinha asco das aulas de educação-física. As aulas na quadra eram as de maior tortura para mim. O quadradinho livre dos fundos dava para jogar um hand, queimada ou o melhor pior: pular corda, embora esse último eu evitasse. O espaço maior era o do futebol. Montado, estruturado e pintado para o futebol. O professor, nitidamente, alimentava o sonho daqueles meninos, excluindo eu, de um dia tornar-se ao menos, reserva em um time futeboleiro. Nunca ousei jogar. Nunca gostei, achava besta, inútil e tinha medo de a bola bater em mim e eu morrer. Futebol nunca foi minha praia e era hostilizado quando, por obrigação, tinha que me juntar ao vôlei ou ficar petecando a bola contra a parede para não ser inexistente. Todos os meninos jogavam, menos eu. Ah, e o Robson. Ele nem era da minha sala e eu sempre o achei bonito. Desses que tem rosto firme, pele branca e pelos no braço. Embora fôssemos adolescentes, alguns de nós tínhamos pêlos a mais. Robson era um caso que me atraía. Nunca me olhou. Um dia percebi que não jogava futebol com os demais da sala dele. Lia. Em meu íntimo, fazia uma analogia quase psíquica, que – meninos que não jogavam futebol – eram conversáveis. Dava para falar de videogame, música ou filmes. Hoje eu entendo que, eram outra coisa. O Alex, Ricardo, Elder também não jogavam. Wesley ora ou outra ia para o vôlei, mas suava a camisa mesmo na quadrona, correndo atrás da bola. Tinha a Cris, uma menina que jogava com os meninos e fazia gol, até. Era chamada de sapata, godzila e gordona-homem. Um dia ela cortou o cabelo no estilo Joãozinho. Eu, que nunca joguei, achava mesmo que uma distância separava os que gostam dos que não gostam de futebol. Gostava: hétero era. Não gostava: a gente não fala. Era quase uma regra. Meninos jogam futebol, meninas, outras coisinhas. Eu tava fodido. Nunca ia jogar futebol, nem para despistar; e sofria, até sexta à tarde. Nunca estive tão certo que, futebol era a priori dos meninos-machos. E menina que jogasse era até ok, mas menino que não... Com o tempo, fui aprendendo a driblar esses lances. Dama, tentei o xadrez e quase consegui convencer que eu apenas não me interessava pelo esporte, só isso. O tempo passou, terminei os estudos e o fantasma do futebol foi tornando-se um gaspar. Até cheguei a conhecer um amigo, que jogava num time de futebol profissional. Trabalhamos juntos, ele após o jantar ia para o jogo, voltava, terminava o expediente e no finzinho da noite, voltava para casa, para o seu amor. Era casado, com um homem. Isso ele nunca assumiu para mim, mesmo com nossa amizade e toda a minha desconfiança. Falou que era um primo. Um dia num bar, considerando mais tempo passado, reconheci o Robson entrar, sentar e me olhar. Não se lembrou de mim e puxou assunto como um novato que ele nunca viu na escola. Horas depois, bêbado que estava, descobri enquanto chorava, que tinha perdido o amor para outro alguém. Falou que o homem dele casou-se com uma senhora e teve filho com ela. Contou detalhes que o amante não quis mais morar junto quando Robson ameaçou oficializar o que era amasiado. Contou também que até o time de futebol que o ex jogava, expulsou-o do time, por Robson ir buscá-lo no treino, de carro. Havia sim, grau de parentesco: paixão. Um dia, ao encontrar o ex-amigo, disse que vi Robson, tudo bem. Empalideceu, ficou sem graça e disse gostar muito do moço. Dei indireta, insisti que eles amaram-se. Sabe o que ele disse? Sou homem rapá, cabra-macho, jogo futebol! Me senti um besta em não falar ao Robson que eu também não gostava de futebol na época da escola.

domingo, 7 de outubro de 2012

O que me irrita em dias de eleição e ano-novo

Praça da cidade, com coqueiros,
parque de diversões e cavaletes animados

Neste domingo, dia do pleito, saí de casa com dor na consciência em saber que sou obrigado à votar em alguém. A obrigação me faz doente, me mostra o quão dependente ainda sou de um país que se diz livre.
Em dias de eleição e ano novo, fico nervoso. Chego até a tremer, por saber que me obrigam implicitamente nessas duas datas à, respectivamente, votar e comemorar. Já pensou em não comemorar o réveillon? Ficar no quarto, comendo algum prato pronto e dormir antes da meia noite? Não dá. Os fogos te acordam, a televisão te impregna da novidade chamada ano, sem contar os familiares que te perguntam se está tudo bem, para 'numa época de festa, você querer apenas ficar quieto no seu quarto'.
Fora os desejos de correr nu pela rua nessas datas, o que me incomoda muito (e me incomodou extremamente neste 7 de outubro de 2012) foram as ruas forradas de santinhos e cavaletes, quebrados e atrapalhando o fluxo ainda por cima. Vejam as fotas.
Mulher caminha sobre santinhos políticos
em frente à escola que serve de ZONA eleitoral
Embora eu não esteja morando em Santo André e continuo votando porraqui, ontem após o trabalho, quando desci do ônibus aqui no bairro, pisei numa camada indecente de papéis de candidatos. Me deu vontade de dizer um palavrão: POUXA!
Em tempos contemporâneos, fala-se tanto de sustentabilidade, limpeza da cidade, cuidado com o quadrado do outro e ainda assim notamos as ruas infestadas de papéis que vão entupir bueiros e urnas eletrônicas, porquê inocente é aquele que pensa que os santinhos não fazem milagres. É incrível a quantidade de pessoas que não se informam sobre os candidatos antes das eleições e acabam votando no primeiro papelzinho que encontram no caminho da zona eleitoral. Vergonhoso. E não para por aí. A boca de urna é explícita, feita pelos mais 'simples e humildes' que ganham setenta reais para tomar um pinga - e que porre é esse? - quando humildade não se confunde com ignorância.
Vamos votar em quem menos aparecer
nas papeletas?
Indo votar, fui abordado por umas três ou quatro pessoas, oferecendo-me santinhos. Falam baixo, são educadas e esticam o braço para te apresentar NO DIA DA VOTAÇÃO um candidato bom. O problema é quando você vê pessoas que conhece praticando tal crime. Essa é a boca de urna explícita, a menos descarada delas, porquê tem a implícita também, aquela que é velada, que vem do alto, onde caso alguém reclame, dá para dizer que 'não estou fazendo propaganda para ninguém, só usando uma camisa com a cor que eu e meus setenta amigos gostamos'. Isso me deixa vermelho de vergonha.
Num mundo perfeito, não teríamos tanta sujeira na rua, tanta cara desconhecida sorrindo para alcançar voto, tanta pobreza camuflada. O problema é que, quando questionamos a obrigatoriedade de votar, eu me pergunto como seria se não fôssemos obrigados a exercer essa função de jurados para calouros-políticos. Se votar de maneira obrigatória já é ruim, pior seria se não houvesse essa tal democracia. Então já não sei o que pensar e o que querer, já que tudo parece ser uma questionável opção.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

365 Diários - Um ano neste emprego

Gosto de guardar papéis. Do banco, cinema, chocolate, bala de menta. Papéis com histórias, que foram importantes em algum momento da vida.
Gosto também de rememorar e marcar datas. Quando mudo de casa, encontro uma música boa, reencontro alguém no trem.
Uma das coisas que eu mais gosto também é de fazer aniversário de trabalho, de trampo, de serviço. Contar os dias e notar que algum tempo se passou desde que comecei a trabalhar em determinado lugar e ver o quanto cresci com as experiências.
Na publicação deste post (03 de outubro de 2012) estou completando um ano de trabalho na empresa Diário de S. Paulo, como produtor multimídia, editor da TV Diário/BOM DIA; e resolvi escrever para comemorar.
Meu bloco de anotações e ao fundo a página de quem sou o pai
Saí de outro jornal em agosto de 2011, sem rumo, sem saber aonde trabalhar.
Estava psicologicamente abalado por um trabalho que estava me tirando a paz e me baixando a auto estima profissional. Trabalhava mais de dez horas por dia, folgas mínimas e uma vida social comprometida. Se quiser conferir toda a saga da saída desse ex-trabalho, só clicar aqui.
Lá, eu trabalhava na parte de vídeos, fazendo a mesma coisa que faço hoje: gravando como cinegrafista e editando no premiere CS3.
Após minha saída, lembro-me que o dia seguinte em casa foi de muito pesar. Embora eu não quisesse me abalar facilmente para não entrar no desespero do desemprego, aquela quinta-feira foi muito desgastante, embora eu não tivesse fazendo absolutamente nada.
Era um dia de muito sol. Sol escaldante. Acompanhei um amigo ao ponto de ônibus e a rua parecia se contorcer, tamanha era minha confusão. Estava triste, com medo de ficar desempregado, sem saber que rumo tomar.
Meu ex (atual) chefe, já estava no Diário. Lembro-me que, o jornal iria estrear um novo portal, com um canal de vídeos exclusivo. Lembrei disso.
Mandei o texto deste blog, comunicando minha saída e propus conversarmos para, possivelmente, eu trabalhar no novo portal na área dos vídeos. Depois de toda a saga, lembro-me do chefe me ligar e dizer:
- Fica tranquilo. Te ligo na segunda.
Aquilo me deu um grande alívio. Saber que haveria uma possibilidade por trás daquele 'Fica tranquilo'

Quando entrei no novo trabalho, levei comigo alguns traumas do trabalho anterior que até então estavam me estafando psico e fisicamente. Ao sair no meu horário, me sentia culpado, imaginando que poderia trabalhar mais um ou duas horinhas, mesmo sem ter coisas efetivas para fazer. O portal ainda nem sequer tinha estreado e eu numa pilha absurda. Traumas antigos.
Fizemos vários testes, várias reuniões antes do novo portal estrear. Quando estreou, eu tive que 'rechear' toda a página de vídeos sozinho, o que me assustou um pouco.
No começo, o portal teve picos de audiência, era novidade e direto passava o comercial na poderosa das emissoras. Estava ansioso para gravar, editar matérias super legais e não imaginava que não seria assim. Seria melhor.
Junto comigo entraram também algumas pessoas. O bom disso, foi o crescimento mútuo. O engraçado era, que na época em que eu entrei, o jornal havia demitido em massa muita gente e em minha caixa de email, eram constantes as mensagens de 'Até logo' ou 'Fiquem com meus contatos' num momento que tudo era novidade para mim. Enquanto um ciclo se fechava para alguns, outro se abria para mim.
A primeira pauta que eu fiz no novo emprego foi o Cirque Du Soleil, na turnê Varekai. Gravei com uma câmera amadora e pude assistir todo o espetáculo. Foi mágico, literalmente. Logo que estreamos, quando coloquei o primeiro vídeo, com qualidade pífia e o logo do jornal no ar, meu chefe veio ao meu encontro e bateu as mãos comigo dizendo: 'Estreamos'.
Depois disso, as matérias foram melhorando e na convivência com meus novos companheiros de trabalho, foram aparecendo as amizades, algumas intimidades e o respeito profissional. Tenho a sorte de trabalhar com pessoas de muita índole e que sabem o que é sofrer na vida para dar valor ao que se tem.
A redação é mediana em tamanho físico. Dá para conhecer todo mundo, mas não convém, como tudo na vida.
Uma das coisas que eu prezo bastante no meu trabalho é a autonomia. Poder dar ideias, realizá-las e poder brincar com as possibilidades, ver e sentir o resultado. Pude gravar ótimas matérias, conhecer ótimas pessoas e claro, me realizar profissionalmente.
Um ano. Estou há um ano neste novo trabalho e muito feliz. Gosto de contar minhas experiências para as pessoas, pois há muito de enriquecedor no próprio testemunho de vida.
Chega de conversas. Abaixo, listo sete das, que eu julguei, as melhores reportagens produzidas por mim para a TV Diário. Segue em ordem decrescente:

7º Lugar: Fãs da Britney acampam em frente ao Anhembi

Esta matéria foi engraçada. Dancei com os fãs na gravação, trocamos figurinhas e ainda fiquei na pista premium no dia do show. Loosho!



6º Lugar: São Paulo Assombrada: Liberdade

Um dos vídeos da série "SP Assombrada" que gravei com dois grandes companheiros de trabalhos aleatórios. Dois temas que me instigam: a cidade e seus fantasmas



5º Lugar: Monstros comentam as últimas Noites do Terror do Playcenter

Sonho de criança: conhecer quem são os monstros do Playcenter, entrar onde eles se transformam. Me transformei depois disso.



4º Lugar: Zombie Walk SP 2011

O sonho de qualquer fã do gênero. Ver a cidade infestada de zumbis.



3º lugar: Entrevista com o dublador do Kiko, Nelson Machado

Preciso falar alguma coisa?



2º lugar: Quartel da Polícia no Pq. Dom Pedro

Esse é um lugar que eu sempre quis entrar na cidade. Do lado de fora, o imóvel me encanta. Entrei e gravei seu abandono.



1º Lugar: 5 anos do acidente da TAM

Essa foi a matéria que me fez doente. Chorei na gravação, passei mal sonhando à noite e tive um resultado divinal quando pude prestar essa homenagem aos familiares que choram por seus entes falecidos neste triste fato. Valeu.


Vamos ver o que virá por aí. Já edito em CS5.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Avenida dos Maracás

Marcamos às 19h30.
Hora quebrada, dia de semana, para nos reencontrarmos.
Até que naquele dia as coisas deram certo, foi tudo bem no trabalho, na condução, no almoço. Não foi um daqueles dias em que você marca um encontro e dá tudo errado. Foi normal, até.
Há quase quatro anos morremos um para o outro. Não tínhamos notícias do que cada um fazia da vida por um tempo que dava para entrar e sair de um bacharelado. E resolvemos marcar e olhar um para o outro e ver no que dá.
Marcamos na Avenida dos Maracás, à noitinha para tomar um chopp no barzinho mais próximo. Antes do encontro, eu ria. Ria sozinho e tentava imaginar o que levou a pessoa que um dia eu amei, depois de tantos outros beijos, remarcar para me ver e trocar algumas palavras que ficaram na gaveta.
A avenida movimentada, com ruas estreitas e gente circulando. No centro da cidade.
Fui direto do trabalho, não me dei o trabalho de tomar um banho e me arrumar para alguém que já foi meu. Pra quê?
Cheguei depois da hora marcada, uns oito minutos, mas me alarguei na esquina e isso transformou-se em dez. Avistei de longe o ponto marcado pelo msn. Era a entrada de uma loja colorida, com nome engraçado. Mesmo atrasando de propósito, cheguei antes. Notei que estava nervoso e não conseguia mais rodear a avenidinha.
Guardei os fones de ouvido, arrumei a mochila nas costas e olhei para a rua. Estava sozinho esperando um amor que foi embora e voltaria naquele dia para 'me ver' e 'como eu estava'.
Lembrei da noite em que, eu pude olhar e ver esse amor ir embora no ônibus. Naquele dia, não lembro onde foi, não lembro onde fui, mas tive a certeza que não voltaria.
Porém, estava eu ali, veja só, esperando novamente a mesma pessoa que não me quis mais, ou que eu não quis mais no passado.
Notei a fachada da loja, colorida, com flores pintadas que brotavam das paredes e, com suas raízes, entravam pela porta de vidro. Lá dentro vi uns jarros de porcelana, pintados à mão, enfileirados na prateleira e quis ter um deles.
A vendedora parada ao lado do balcão, com os braços para trás, lançou um sorriso simpático. Devolvi sem encará-la e fugindo de seu olhar, novamente notei as flores pintadas nas parede da frente. Elas não eram tão bonitas agora, olhando de perto. Estavam desbotadas, sem brilho, mas inexplicavelmente ficavam vaidosas naquela hora do dia, com a ausência da luz. A noite torna-as vibrantes, vivas e prontas para adentrar os demais muros.
De longe eram boas, viçosas. De perto, desbotadas e sem traços.
Perdido nos contornos floridos daquela loja ouvi um 'oi' ao meu lado. Reconheci a voz.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Eu deveria ser mais político

Aquele clichê de sempre: "Futebol, política e religião não se discutem", mas eu sempre acreditei no contrário. São assuntos que mais rendem debates, discussões e posicionamentos. E é bom falar sobre.
O que me levou a escrever este texto foi um fato recente que aconteceu comigo no Facebook: Eu comentei uma foto de um amigo de faculdade, que tinha sido marcado enquanto esteve em um congresso de uma candidata xis de uma cidade xis do abC.
Na foto, repleta de jovens, a futura (ou talvez não) prefeita da cidade, falava num microfone e a única cabeça virada da foto, era desse meu conhecido. Sua expressão era engraçada e resolvi comentar assim:

'Pensamento do fulano: Na boa véi, cê acredita?' e publiquei.

Até imaginei que isso poderia render alguns comentários anti, ou mesmo outros achando a piadinha engraçada, mas o que me rendeu foi esse conhecido me chamando no bate-papo individual e pedindo, gentilmente, para que eu retirasse o comentário, pois ele trabalha na prefeitura e eu 'poderia fudê-lo'.
Pensei comigo: Quanto rabo preso! Porém, analisando a situação, percebi o quanto todos nós temos nossos rabos presos em diferentes circunstâncias da vida e em diferentes locais no mundo, até aqui.
A política é uma merda mesmo, mas dependemos dela e isso é uma outra merda. Na verdade, política e politicagem são duas grandes antíteses que se confraternizam de maneira muito implícita.
Nossas timelines ficam repletas de candidatos que aparecem nessas épocas com rostos limpíssimos, gestos carinhosos e slogans otimistas. Aí aparecem alguns dos seus amigos apoiando o ciclano, te chamando no chat, mandando email marketing estreitando laços para marcar uma conversa e apresentar propostas. Vão fazer corpo-a-corpo, são solícitos aos idosos e compartilham imagens usando terninhos black-tie.
Tudo isso é politicagem. E necessária.
O comentário que escrevi não refletia o pensamento do meu conhecido, refletia a minha opinião e sempre fazemos piadas um com o outro. A foto estava na minha timeline de uma fulana que eu nem sei que é (e agora já peguei raiva da mulher) duma cidade que nem sequer eu voto lá e eu ainda não tenho o direito de fazer o comentário que eu quiser!? Mesmo sendo brincadeira? No meu perfil? Não, não posso.
Apaguei o comentário por respeito ao meu ex-amigo. Vai saber, se calha de ele ser mandado embora e eu acabo como culpado nessa história.
Eu, sempre que vou escrever/falar/confabular sobre política, sempre tento encontrar as melhores palavras. Isso quando eu falo, porquê prefiro ficar quieto e votar em silêncio. Não tenho perfil para estar na política, ou melhor, trabalhar com politicagens, não consigo, até que um dia se torne necessário.
Ano passado recebi um convite para fazer assessoria à um candidato. Não aceitei. No retrasado, convidaram-me para fazer vídeos e ajudar na campanha audiovisual de um outro. Também not.
É mais forte que eu, não tenho talento para isso. Não tenho peroba e queria ter, de verdade. Até gosto de política, juro.
Outra coisa que sempre me chamou a atenção são os horários políticos, que hoje já aprendi a conviver com eles: não há horário eleitoral para os candidatos de cidades pequenas. Não há! Eu não voto nos candidatos de São Paulo, por exemplo, e eles estão arrasando em suas campanhas cheias de after effects.
Os panfletos, outdoors, campanha na TV, redes sociais. No rádio, no tablet e nas calçadas. Quantas caras, quanta gente que eu nunca vi.
Eu não bebo cerveja, mas sei que se bebesse teria mais amigos. Eu não faço politicagens, mas se fizesse...

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Passeio de barco


Todo ano, quando o Dia dos Pais se aproxima, uma incógnita sentimental me invade de uma maneira muito peculiar. Eu não sei se digo que amo meu pai, ou se digo que um dia tentei amá-lo.
Um abismo. É assim que eu mensuro a distância do afeto familiar que há entre eu e a parte masculina que participou de minha criação, meu pai de sangue. Quem me conhece bem, sabe que eu não tenho uma relação de bons afetos com ele, embora esta relação seja de muita proximidade.   
Cresci num ambiente onde sempre vi minha mãe reclamar das ausências e irresponsabilidades daquele que era para ser o macho-alfa da casa, o homem. Macho este, que tem a mesma inicial que a minha no primeiro nome: a letra ‘D’.
D sempre foi ausente. Presente-ausente. Eu como primogênito, sempre tive a figura materna como principal fonte de força e resistência dentro do lar.
Das coisas que me lembro de D, guardo muitas lembranças. Talvez tantas delas eu não teria caso tivéssemos uma relação de cumplicidade.
Um dia, chamei D para passarmos o dia dos pais juntos. Havia muito tempo que não o via. Agendei nosso encontro por telefone e disse que iria vê-lo no domingo. O primeiro dia da semana era a data exata em que ele acordava cedo, colocava o lixo na rua, rondava a cozinha e saía pelo bairro embebedando-se, voltando no meio da tarde com os olhos pesados e pernas cambaleantes. Dormia o resto do dia e à noite, após o jantar, cruzava as pernas na sala assistindo TV e pouco participava do ambiente familiar.
Pedi para que D não bebesse naquele domingo. Ele me perguntou aonde iríamos e preferi não responder. Minha mãe, tão dele cansada que vivia, adiantou-me que o marido não iria e que faria normalmente seu ritual dominical. Preferi confiar e mantive meu convite.
Nem mesmo eu sabia o motivo daquele passeio. Não havia ensaiado nada, nem uma fala, nem um abraço e confesso que, sentia-me nervoso ao tê-lo sóbrio comigo, num domingo, caso aceitasse o convite. Não comprei nenhum presente, apenas encomendei um passeio de barco num grande lago no centro da cidade.
No dia marcado, cheguei cedo em casa. Senti o mesmo cheiro da minha antiga casa naquele bairro que vivi durante anos. O dia ensaiava-se radiante de sol, que desde aquele momento, invadia a sala da casa com raios amarelados, lugar onde eu ainda possuía uma cópia da chave. Logo que entrei, minha mãe desceu as escadas, ainda de pijamas e cumprimentou-me alegremente. Senti o doce aroma de mãe quando a abracei.
- Seu pai já saiu. Eu te falei... disse ela dando de ombros e virando-se.
Abaixei minha cabeça e fiquei confuso por um momento. Normalmente, naquela hora ele ainda estaria em casa com seus chinelos arrastando-se pela cozinha.
Senti um furor momentâneo e joguei-o às valas em meu pensamento, mas mantive minha compostura. Em silêncio, desmarquei o passeio e já maquinava um jeito de ligar ao homem do barco e pedir um desconto pelo serviço não prestado.
Minha mãe preparava o café na cozinha e já chamava para comer pão de centeio.
Enquanto conversávamos sobre trabalho e as contas da casa, ouvi um barulho no portão. Era D.
Entrou com os cabelos molhados, incrivelmente penteados e disse meio acanhado:
- Vamos?
Estava sóbrio.

O parque estava movimentado. Era nítido que algumas famílias resolveram passar o dia dos pais numa churrascaria ou compartilhando comida e avarezas dentro de casa.
No caminho, D não perguntou aonde iríamos. Só questionou o motivo de eu querer falar com ele. Deve ter imaginado milhares de coisas e talvez, a mais óbvia delas, que eu iria novamente cobrá-lo sobre algum tratamento anônimo que possivelmente, deveria ajudá-lo numa abstinência cotidiana.
Andamos pelo parque. Conversamos sobre trabalho, sobre nossos salários e como estava o apartamento onde eu morava. O sol refletido em seu rosto me fez perceber que, ao lado do olho esquerdo, havia uma pequena cicatriz. Perguntei o que foi e ele respondeu imediatamente: caí.
Um turbilhão de imagens veio à minha cabeça e percebi que não deveria ter perguntado. D não estendeu a conversa e logo avistou um grande lago.
- Está bonito, bem cuidado né!? Disse
- Tá
Começou a elogiar o prefeito da cidade e lembrou de um deles, de candidatura passada, que havia sido assassinado há quase duas décadas. O assunto foi parar em política e logo se lembrou da politicagem mal feita que resultou em seu desemprego passado. D trabalhou durante anos em uma empresa e foi mandado embora, fruto de seu desencadeamento alcoólico. A culpa, para ele, era do chefe que participava de propinas na empresa.
Avistei o velho com quem eu tinha falado há uma semana e combinado o passeio. Paguei adiantado e queria apenas navegar em descanso sobre aquele lago. Queria a certeza que teria uma barco só para este momento.
Aproximei-me e cumprimentei-o formalmente. Após rápido aperto de mão, apresentei-o também à D. Quando o homem pegou em sua mão, vi que as mãos de D eram bem mais maltratadas e com aspecto mais envelhecido do que as mãos daquele homem velho. Guardei mais lembranças.
O homem oferecia passeios de barco pelo lago. Meu pai observava com desconfiança minhas atitudes. Não imaginava que eu iria querer navegar num lago desconhecido como aquele. Pelo que me consta, D nunca havia entrado em um barco sequer para conhecer. Muito menos eu.
Sugeri que entrássemos em um dos barcos. O filho mais novo do velho acompanharia nosso passeio por aquela pequena imensidão verde-ocre.
O lago era grande, mas não se perdia a vista. Um pequeno cais adentrava as águas da margem e os barcos ficavam enfileirados um ao lado do outro, batendo-se os cascos. D olhou-me e eu o convidei para que pudéssemos juntos, navegar pelo lago do centro.
D rejeitou com um sorriso acanhado e virando-se preferiu olhar-me de longe, como sempre fez.
Entrei no barco e com meu colete salva-vidas estendi a mão e chamei-o mais uma vez. Ele percebeu que era sério e com um olhar sereno assentiu. Ligeiramente, pediu outro colete para o velho e entrou no barco também, que balançou para os lados, fazendo-o rir.
Sentou em frente a mim e deu espaço para que o negro, filho do velho, pudesse nos ajudar a remar. O menino alto foi em pé, no bico do pequeno barco, enquanto eu e D adentrávamos juntos aquele imenso lago, sentados num barquinho.
Olhei para as águas que agora eram nosso sustento. Olhei também para os cabelos penteados do meu pai e vi uma inocência em seu olhar. O vento batia leve em seu rosto e percebi pela primeira vez na vida, que éramos homens e que havíamos desperdiçado tanto tempo buscando uma resposta para os motivos que nos afastam.
Me bateu uma vontade de chorar e D percebeu isso. Olhou-me e não soube o que fazer. Tudo o que ele temia era que eu o abraçasse e pedisse para que ele fosse mais presente em minha vida. Queria pedir desculpas também, por não ter sido quem ele queria que eu fosse. Cobrá-lo, para que ele fosse o que eu queria. Despedir-me, apresentar-me novamente como filho. Aceitá-lo como pai.
Pendi a cabeça para o lado e vi a margem do lago bem ao longe. O jovem negro alçava o horizonte com o olhar e eu agora olhava para o chão. Quando chegamos ao meio do lago, pude perceber o quão imenso era aquela reunião de águas. Pedi para pararmos. O jovem obedeceu.
D estava desconcertado. Eu também. O barco balançava de um lado para o outro e nós agora já estávamos em alerta, mesmo em silêncio, de que alguma cobrança iria surgir. Nossos olhares traziam nossas vidas afastadas.
O sol batia em seu rosto, um semblante cansado num corpo magro e definhado por tantos anos de bar e solidão. Éramos dois agora, num barco a balançar, no meio de um lago fundo.
- Gostou?
- Do quê? perguntou
- Do passeio...?
D sorriu e disse que estava com medo. Eu também estava. Percebi neste momento, que somos assustadoramente iguais.
Vendo seu reflexo na água embaçado pelo sol, pedi ao jovem alto que continuasse o percurso. No barulho do remo encostando-se à água, o barquinho adiantou-se e continuamos a sacolejar sobre aquelas águas brandas de um domingo à tarde em um singelo passeio de barco.

domingo, 5 de agosto de 2012

Phantasmagoria - Análise

Assisti o quadro Phantasmagoria e resolvi escrever este post sobre.
Produzido pela Rede Globo, o dominical Fantástico - O Show da Vida resolveu fazer um quadro para desvendar possíveis casos fantasmagóricos em lugares ditos assombrados pelo Brasil. Fiquei um tanto preocupado quando vi que a Globo resolveu novamente falar sobre fantasmas. Acho a rede muito velha mídia, quadradona e sempre muito preocupada com estética e padrões implantados por eles mesmos, mas vamos ver.
O cenário para o primeiro episódio da série foi um castelo no Pará, conhecido com Eldorado. Muitos relatos de vultos e aparições foram atribuídas ao lugar.
Primeiro: castelo. Lugar muito propício para tal, mas ainda tá valendo. O que mata o quadro são alguns trovões estalando na vinheta e nas animações. O quadro é igual a tudo o que é produzido sobre temas sobrenaturais: uma espécie de documentário daqueles produzidos pelos canais pagos Discovery Channel ou pelo Syfy, visto 'Minha História de Fantasma', 'Famosos e Fantasmas' ou 'Lugares Assombrados' no qual você nunca sabe se é ou não verdade. É também um jogo, como o extinto FEAR, produzido nos anos 90 pela MTV com apenas um episódio exibido no Brasil.
No Phantasmagoria, três participantes voluntários foram ao Castelo Eldorado para instigar 'investigar' as supostas aparições. Receberam lanternas e teriam que completar provas no escuro.
A primeira tarefa foi dada à um jovem que teve que ir ao jardim e chamar um vulto que foi visto pelo jardineiro do castelo. Em um gravador colocado previamente, o apresentador do Fantástico fica ditando regras, o que tira todo o suspense do ar. Ele até tenta fazer uma voz mais metálica, mas não rola.
Os demais participantes, também ficaram recebendo ordens de um gravador e chamando os fantasmas, instigando-os à aparecer.
Na última prova, os três chamaram uma suposta mulher de branco que aparecia na janela. Nada mais clichê.
No final do quadro, um especialista do tipo que desvenda 'mistérios' explicou os motivos dos estalos na casa e as vultos que afirmaram ter visto. Explicações científicas foram dadas para os estalos, cheiros e vultos.
O quadro tem como base os espetáculos antigos feitos com ilusionismo, que davam a impressão na platéia de ver um ghost. Confesso que o quadro não é tão interessante, serve mesmo para dizer de maneira implícita: "Isso não existe gente", mas busca entreter. Visto que, o programa exibiu logo após, uma matéria sobre Transexualidade e Homofobia, dois grandes apelos e que rendem muitos interessados.
O quadro não quis explicitar conceitos verídicos ou não, deixando para que o telespectador faça sua própria conclusão.
Ao meu ver, a história do local já faz todo o suspense acontecer. Quando se tem uma narrativa que vem sendo contada e esta narrativa é atribuída à um lugar, os fantasmas já aparecem neste contexto, sem precisar apagar a luz.
Em uma das falas de uma participante, ela dizia que 'não precisa aparecer fantasma nenhum, o lugar já basta'. É exatamente neste ponto que quero chegar: o sobrenatural está naquilo que é construído pela mente e não em descobertas de verdade ou mito, científicas ou não, porém esta é a proposta central do quadro, que serve mesmo para entreter de maneira efêmera e logo ser esquecido com um assunto mais sério. Não que fantasmas e afins não seja, mas não é o caso do quadro do Fantástico.