Era quarta-feira. Dia fatídico cheio de trabalho, chefa, luzes de poste. Chato por si. Saiu do trabalho, entrou no Citroen e seguiu rumo ao litoral. Não avisou a família e sabia que ia ter problemas pelo sumiço instantâneo e não teria como explicar o motivo de descer à baixada no meio de março, depois de um meio de semana repleto de números.
Ouvia as músicas que levava em seu mp3 plugado no som do carro. Ficou feliz por ter adquirido o aparelho há dois anos.
Mantinha uma velocidade branda, avistava as luzes das casas de beira estrada que compunham a via que já havia passado em outros carnavais, natal ou réveillon, mas em março, ainda não. E sozinho, tampouco.
Eram poucos os automóveis que iam no mesmo rumo que o seu, mas havia. O celular acendeu no banco do carro e viu que a operadora havia mandado uma mensagem. Ignorou. Passava pouco das onze e ainda ninguém de casa entrou em contato, pois costumava chegar após os doze minutos das zero.
O túnel abafava o som da noite. Norah cantava baixo num timbre doce. Não negava o motivo de precisar ver o mar, mesmo que de dentro do carro. Seu olhar estava longe, distante do mar para onde ele se aproximava. Exultou-se pela liberdade, emprego, amigos e por ter a mãe por perto, mas era desarmado nas questões que envolvem o amor e suas peripécias.
Os amigos viram um amor antigo num barzinho de samba. Naquele domingo, ficara em casa por ter apenas vinte reais na carteira, mas não se lembra do motivo por realmente não ter ido. Mas foi bom ter ficado no quarto, ou não.
Já tinha ido lá quinze, vinte ou cem vezes, em domingos seguidos até, e nunca havia encontrado nada que fizesse seu coração tremer. Até tinha um certo asco daquele lugar por ter gente feia demais. Tudo mudou quando soube que uma pele morena conhecida e nada de ex-amada andava sobre os muros laranjas daquele espaço.
Sabia que nada mais o importava sobre tudo o que passou, mas por milhares de motivos ainda guardava um sentimento que não era nem amor, nem paixão, nem ódio, nem sabia.
Olhou para o lado e viu a cidade iluminada de Santos abaixo de si. A estrada um pouco molhada e a casa que um dia repartiu de banhos estava lá, no meio daquelas luzes.
Deus o livre de um dia alguém descobrir que desviava seu caminho de quarta para afogar a lembrança de um estranho sentimento. Tinha parentes de amigos na praia, de casas com jardim e piscina de lona. Queria só ver o mar.
Não soou sequer uma palavra dentro do carro e quando calava-se estando sozinho, a situação poderia ser considerada séria. Falava constantemente sozinho, dando broncas em si mesmo e despistando algumas dores com piadinhas sem-graça que duravam segundos.
O farol iluminou um homem que caminhava na beira da estrada. Quis descer, contar, pedir uma opinião, pois talvez o magricela poderia dizer uma palavra que o ajudaria naquele momento. Que pensamento besta! Poderia ser assaltado e seu corpo encontrado depois de alguns dias. O que sua mãe diria? Tinha apenas 26 anos. Sorriu pela primeira vez desde que cruzou o primeiro pedágio, quando riu do... do que mesmo? Esqueceu.
Entrando na cidade, viu uma grande estátua de Nossa Senhora Aparecida, depois um bordel mal iluminado e uma casa pintada com um peixe azul na porta. Sentia o cheiro de estofado, que tinha mandado lavar anteontem, segunda, quando soube que o amor estava por perto, mas ele estava em casa ocupando-se do domingo.
Sentiu uma brisa fria no rosto e piscou com a luz de um ônibus que cruzou com ele na rotatória. Viu uma rua pequena, com casas e alojamentos amontoados, que mais parecia um grande corredor no meio da cidade. Tinha areia na valeta, no canteiro central e alguns bares ainda estavam abertos. Viu que a cidade de praia também é cidade.
Sempre acostumado a vir para se divertir, acostumado com o MASP, a Augusta ou os faróis de longe da avenida Angélica, tinha um olhar menos preocupado nesse tipo de lugar, afinal tinha se tornado tão caipira dentro de uma metrópole que o bairro vizinho era novidade para ele.
Viu uma placa verde, velha, com as palavras: “Turistas, sejam bem vindos.” Não era turista. Era quarta-feira.
Entre alguns minutos esqueceu por que estava ali. Quis apressar-se para voltar e teve segundos de medo. Lembrou-se da mãe, quis chorar, mas não pela lembrança, ou não por essa. Ela – a mãe – simbolizava o mais tenro dos sentimentos, a perda irreparável, a verdade do coração, ao menos do seu e talvez isso fosse o que falta à sua vida bem sucedida de planos encaixotados em maços de papelão.
Virou a rua e fez uma entrada proibida, mas logo contornou para a rua que daria acesso à praia, porém não queria a praia e sim o mar.
Ouviu fora do carro os pneus arrastarem na areia. Viu uma grande montanha em frente ao carro e as casas ainda o impossibilitavam de ver as águas. Chegou mais perto, diminuiu a velocidade e o som das ondas que se quebravam longe, o remetiam às pedras que um dia sentou com o amor do samba de domingo. O oceano era um só.
Algo reluzia em um ponto da montanha e lembrou que não era montanha, mas monte. Este que o olhava, observando-o pequeno e só, em frente ao mar.
As faixas de estacionamento estavam apagadas no chão, em partes pela areia em partes pelo tempo que estavam pintadas ali. Amarelas.
Uma placa de aço, na altura dele, tinha o desenho de um coco com canudo, sorrindo para o nada. Aquele coco estava dormindo, era quase uma da madrugada.
Desligou o som e o motor do carro. Tudo ficou mudo e ele olhou para o mar.
"Naquele domingo, ficara em casa por ter apenas vinte reais na carteira, mas não se lembra do motivo por realmente não ter ido." Ótimo!rs
ResponderExcluirFanzassa, já sabe!