segunda-feira, 30 de abril de 2012

A arte de andar com guarda-chuva

Chuva na segunda. Há algo pior? Sim: quando você não tem um guarda-chuva.
Comecei assim, hoje, com 'chuva no telhado e vento no portão. E eu aqui', indo trabalhar em véspera de feriado.
Até me arrisco andar na garoinha inofensiva sem proteção na cuca, mas embora sejam fracas, elas são chatas, como cães pequenos. Resolvi ir de táxi, mas logo desisti quando soube que gastaria o preço de um passaporte do Playcenter.
Tive que aderir ao guarda-chuva, comprar um, já que sou avesso ao uso dele, como sou avesso também ao uso abusivo de automóveis. Ora ou outra você tem que aderir.
Comprei, numa papelaria de japoneses, um daqueles tipões grandes, preto e fino. Tinha que garantir que não molhasse a mochila e meu cabelo máquina dois.
A chuva caía fina, mas intensa.
Quando a vendedora abriu o morcego dentro da loja, lembrei da superstição, que 'abrir guarda-chuva dentro de casa, não casa', tudo bem, pensei.
Senti-me elegante ao abri-lo e caminhar alguns passos na calçada. Não costumo andar de guarda-chuva e nem sequer tinha um, agora tenho.
Com ele aberto, impedindo molhar (me) ainda mais, percebi quantos obstáculos tem as calçadas quando você precisa refugiar-se nela. O ponto de táxi que há pouco foi um abrigo, agora é baixo e estreito demais para eu passar com meu novo amigo.
As árvores baixas raspavam suas folhas respingadas e direcionavam a chuva contra meu peito. Aliás, as belas árvores são uma antítese a parte quando chove. Embaixo delas, se molha mais, mas isso enquanto não acumulam água o suficiente para engrossar a chuva. No início, na garoa, no anúncio da chuva, as árvores ainda servem como um abrigo provisório, mas logo depois, elas acabam por se tornar parte integrante da chuva. Podemos nos refugiar nelas enquanto elas não se tornam parte na chuva.
Telhados, vigas, calhas, tudo torna-se parte da chuva. Daquele momento onde a água invade o mais estreito dos becos, ela entra também no sapato, de couro e molha a meia. Aí realmente a gente se sente parte da chuva. Porém, sentir-se parte da chuva, é quase divino, glorioso, mas não quando você está indo trabalhar.
Minha vontade real é cantar, deixar a chuva molhar e purificar a alma. Já fiz isso, quando criança e hoje não consegui me entregar totalmente. Não só na chuva.
Nesses dias lembro do filme "Dançando na Chuva" com o Gene Kelly, mas na verdade me lembro mesmo da releitura feita pelo Roberto Bolaños, no Chapolin, quando ele pisava intensamente nas poças usando um sapato social preto, que combinava com o terno. Aquilo é incrível.
Eu e meu guarda-chuva caminhávamos juntos na rua e minha mochila teve um pouco de ciúmes. Podia comparar o design, modelo, gravuras contidas nos demais aparatos defende-chuva. Guarda-chuva é homem, sombrinha é mulher.
Andei desviando dos demais, nas calçadas estreitas, nos lamaçais que se formam perto do ponto de ônibus. Ao passar pelo primeiro semáforo, o motorista, mesmo com o sinal verde, parou e businou para eu passar. Imaginei seu pensamento: "Na chuva, coitado. Passa vai"
Neste momento desejei ter um carro, mas assim eu não seria parte integrante desse ritual. Conformismo filosófico de onde nasceu essa crônica.
A cidade fica bonita na chuva, com os guarda-chuvas. Em outro semáforo, vermelho agora, outros aglomeraram-se, uns próximos aos outros com seus amigos. Uns de longa data, vagabundos, charmosos. Todos formando um telhado móvel, que protegia da chuva. Eu estava no meio. Nós estávamos no meio. Quis ver essa imagem de longe.
A chuva para e volta e a segunda vai acabar hoje, mas vai voltar. E eu preciso atentar o meu olhar às belezas de se andar na chuva, de guarda-chuva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário