Era uma tarde quente de domingo. Dia sorrateiro, que
antecede o branco da segunda, o filho viu pela primeira vez o pai chegar em
casa sóbrio. Naquelas tantas, o homem já tinha bebido tanto a ponto de esquecer
os nomes.
Sentado na cozinha, o filho olhava o arquétipo do magérrimo,
com pele fina, porém sóbrio naquele dia.
Inveterado no vício, fora do convívio de pai e filho, ambos
não sabiam como se tratar. Se pelo calor da frieza ou no gelo da tentativa de
amparo. Eram dois homens testados em dores, mas que partilhavam de um mesmo
brio. Uma imagem refletida num pai que não passava um dia sem se entregar ao
álcool e um filho, que não passava um dia sem desejar outra vida.
Cumprimentaram-se com olhares e perguntas pequenas, conversa
rápida, que não era conversa.
O pai evitava olhar o filho ainda mais quando estava sentado
na cadeira da ponta da mesa. No trono dos mais vividos.
Inebriados pelo convívio doente, sabiam quais palavras usar.
Sóbrios de si, não tinham coragem de se encarar. Tanto tempo que o homem via
seu pai chegar em casa trançando as pernas e nada mudou, mesmo muita coisa
mudando.
Começou refletir sobre o bruto martírio daquele homem.
Nenhum sentimento de compaixão agora passava pelos seus sentimentos. Teve um
dia, tal sentimento, mas agora desistiu. Foram tantas alegrias estragadas para
chegar nesse êxito de esquecer quem por ora deu-o a vida, aquela vida.
Não sabia dizer se era grato por ter que viver com um carma
de sangue, que bebia, achava-o feio, inferior aos demais do bairro. Questionou
sua vida, de maneira rápida, questionou seus sucessos e sua cor de cabelo.
Ninguém pediu nada disso, mas estamos prontos para reclamar.
O filho imaginou que o pai também tinha muitas azarias para destrinchar.
Ambos tinham, mas para quê soltá-las? Por tempo, pode-se afirmar que as dores
fazem parte do processo para as alegrias, mas assim como elas, vão e vem e
nunca perduram por um dia inteiro. A mente muda pede o diferente e o
inconstante.
Já estava sozinho na cozinha. O magro foi a outro cômodo da
casa e o deixou ali, como sempre.
Para o pai sobrara o martírio de sofrer na escravatura de
uma alegria exacerbada que hoje se tornou senhora. Teve vontade de convidar o pai,
que hoje estava sóbrio, para passear, conversar sobre a vida e contar algumas
alegrias que tinha no bolso.
Mesmo que fossem mudos, sem sentido, estariam juntos.
O dia era de sol, muito quente. No parque da cidade,
andariam duas quadras e o filho poderia olhar para o rosto do pai, sorrindo
envergonhado. Sol, muito sol.
O céu azul, sem nuvens e pai e filho andam no parque.
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