Desde criança, enquanto sentia calafrios antes das aulas de educação-física por não jogar futebol, tive amigos que ‘amavam’ o Corinthians (vamos abreviar para C.U, de CUrintia) sem contar meu pai que é CUrintiano fanático.
Nunca joguei futebol. Nas aulinhas de quadra, tentava o vôlei, o hand, a queimada (queimada?), pular corda e sempre enfrentei preconceito por não jogar futebol. Todos jogavam, todos no sentido masculino da palavra: os meninos da sala. Os meninos que não jogavam, já sabe. Menina que jogava não sofria preconceito. Engraçado. Tinha uma amigona, a Cris, que sempre jogou e era bem aceita na redoma masculina-machista e também pelas meninas. Em toda aula, eu torcia para que algum amigo mais próximo não jogasse, para eu ter a desculpa de... ah, a desculpa para não jogar e dizer: “Viu o Fábio também não joga!?” Meus amigos que não jogavam, eram de outra sala.
Para chegar ao C.U, tenho que passar por essa vertente masculinizada que envolve o futebol. Um bom grado para identificar sexualidade.
Lá em casa, aos domingos, tios, primos e meu pai reuniam-se no sofá para assistir jogo de futebol. Quando C.U jogava, meu pai alcoólatra sem fase de recuperação, bebia o dobro dentro e fora de casa para comemorar a bola preta e branca rolar no gramado. Não bebia pela vitória do timão, simplesmente bebia, ganhando ou perdendo. Após o jogo, na ausência dos demais só com a célula em casa, via minha mãe reclamar da bebedeira dele e as brigas aparecerem. Foi assim durante anos.
Amigos corintianos são aqueles que não aceitam que eu não goste do C.U. O fato não é falar mal, ou dizer que corintianos são isso ou aquilo. É simplesmente não gostar. Isso parece não ser aceito. Você tem que gostar, como os fãs de Restart ou Luan Santana. Se você diz a eles que não gosta, parece que está ofendendo.
No carnaval passado, um dos torcedores criou inimizade comigo, por eu dizer apenas que ‘não achei a escola bonita’. Ficou batendo a bandeirinha na minha cabeça e queria que eu aceitasse C.U
Não torço para nenhum time de futebol e por isso não tenho argumentos para ofender o C.U tomando por base outros times como Palmeiras ou São Paulo. Posso dizer que com o C.U é diferente. A história é outra e envolve muitas vertentes. Na arquibancada, enquanto via a Gaviões da Fiel desfilar, vi o entusiasmo das pessoas. Mostravam o braço, as pernas e a nuca arrepiados, como se um frenesi tomasse conta do lugar. E tomou mesmo. Neste ano, o homenageado da escola foi o ex-presidente Lula, que veio em vídeo no centro do brasão corintiano. Uniu o útil ao agradável, a meu ver. Tentei filosofar e pensar o que é o C.U ou 'o que faz um Corintiano?' Só o fato ‘torcer’? De dizer ‘sou’? Vejo muitos pseudo-fanáticos dizendo: “Vamos ganhar!” Vamos quem? Baixando a guarda, percebo que é quase uma religião, mas sem um Deus. Ou o técnico seria esse deus?
C.U abstrato torna-se real. Faz vibrar, arrepiar. Nos arredores da avenida, batiam na veia do braço e diziam: “Aqui é CUrintia” mas eu não consegui explicar o que é o C.U; Muito menos eles, que batiam. São os jogadores? (mas eles trocam de time); Será o clube; técnico; escola de samba; (?)
No meu caso, não quero que fique claro que não gosto do C.U, mas exijo explicações de sua existência. Atrás de mim, na arquibancada, vi um jovem, bêbedo, com as pupilas vermelhas e um mini cigarro na mão. Com a camisa do timão, balbuciava algumas palavras do samba-enredo. No meu preconceito atuante, me auto afirmei que aquela caricatura petulante é a real imagem de um corintiano, mas logo ao lado, vi uma moça, linda, de belas pernas e cabelos encaracolados, chorando e cantando o mesmo hino com grande fervor. A imagem se distorceu e vi que C.U representa uma nação, mesmo sem, a meu ver, existir. Eu sempre soube de suas cores, brasões, mascotes e nunca torci. Informações que me vieram alheias.
C.U representa muito. Assim como o futebol e as peladas de rua. Tenho que aceitar essa vertente apesar de não praticar nem um, nem muito menos o outro. C.U não existe, mas tira lágrimas dos olhos de quem o segue.
Dizem que política, religião e futebol não se discutem. É mentira.
"Eu e minha mochila Herchcovitch tentando decifrar o que é o Corinthians" |
Nenhum comentário:
Postar um comentário