Deus e o Diabo moram em uma mesma
sala. Estreita, pequena, mas que os comporta inteiramente em suas necessidades.
Deus e o Diabo moram em uma mesma
sala, compartilhando suas vidas numa convivência fraterna, mesmo distante em
imaginários e pragmatismos universais. Gostam dos mesmos livros, com pequenas
divergências entre autores; Usam dos mesmos talheres e opinam diariamente sobre
a cor da parede da sala, com um tom amarelado fosco, com mesclas azuis bem
claras que vão do chão até parte do teto, coberto de escamas. É assim a parede
da sala onde mora Deus e o Diabo.
Tudo se tem na sala e tudo se
encontra lá; e aí que se dão suas virtudes em serem, ambos, cultuados por toda
a humanidade de fé.
De lá, da sala estreita, eles
notam os humanos, manipulam os seus dias e ora ou outra, trocam gracejos sobre
as peripécias de alguns pouco experientes.
Da janela frontal, próximo ao
candelabro de cera, se vê um jardim florido, com crisântemos e margaridas, onde
as estações revezam entre os meses. Deus escolhe o inverno e o Diabo anuncia o
verão. Na primavera, o Diabo prepara as flores para que Deus possa murchá-las e
derrubá-las pelo gramado dando-as outro destino. Vida.
Ambos moram na sala, dormem na sala
e comem na sala. Preferem alimentos ricos em fibras e que não ataque o
intestino. Evitam gorduras e condimentos.
Diariamente, ajudam um ao outro
no trabalho diário e sempre que possível, lavam o chão com água e sabão.
As telas coloridas da sala reportam
ao cotidiano dos homens os seus atributos diários. Deus prefere os sinais, os
passos e a fala. O Diabo, o sorriso, o olhar e o pensamento. Ambos se
completam, trocam repentinamente de nome e gostam de enganar os que se julgam inteligentes.
Respeitam os sábios, mas não os ignoram em suas artimanhas.
Deus e o Diabo moram em uma mesma
sala. Ambos não têm sobrenome e há de usarem muitos nomes quando se fadigam de
seus arautos pessoais. Cada um tem seus amigos e ora ou outra, numa tarde de
domingo ou terça, aparecem na sala quase sempre sem muitas expectativas. Tomam
uma cerveja, falam de Sócrates, ciência e sexo. Acabam por haver amigos em
comum, muito dispersos, de longa data.
Moram no atraso, na janela
entreaberta e nos parênteses familiares. Trabalham duro nas intrigas de
família, no nascimento da criança e nas salas de aula do ensino médio.
Um não vive sem o outro. Inventaram
o amor, o ódio e a saudade. Alguns desses foram tidos como conseqüências rudimentares
de ausência, mas vivem a experimentar outros diversos atos intrínsecos da alma.
Deus e o Diabo moram em uma mesma
sala. Assistem seriados, invejam os autores e quase nunca saem para se
divertir.
Fazem com que os homens que
buscam de seus santos refúgios, imaginem entender um pouco da vida de ambos,
que moram em um mesmo lugar e se alargam de dar atenção aos que nele se
refugiam. Não é de costume misturar trabalho e vida particular.
Seus vizinhos teimam em taxá-los.
Em dizer que um é mau e outro bom. Ambos, Deus e o Diabo são amigos e só dão-se
a existir quando é lhes dado permissão. Não deixam vir às margens da virtude
quem é quem nessa relação.
Por ora aparecem calúnias a
respeito de Deus e o Diabo. Assuntos absurdos, de ordem categórica e audaz.
Eles não respondem às essas miudezas ignorantes e continuam pagando suas
contas.
A casa tem mais cômodos, mas os
dois dividem suas diferentes manias numa mesma sala. Uns dizem que Deus mora em
cima e o Diabo em baixo. A sala é o lugar onde moram e ainda não há interesse
em mudar.
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