domingo, 4 de dezembro de 2011

A sala de Deus e o Diabo


Deus e o Diabo moram em uma mesma sala. Estreita, pequena, mas que os comporta inteiramente em suas necessidades.
Deus e o Diabo moram em uma mesma sala, compartilhando suas vidas numa convivência fraterna, mesmo distante em imaginários e pragmatismos universais. Gostam dos mesmos livros, com pequenas divergências entre autores; Usam dos mesmos talheres e opinam diariamente sobre a cor da parede da sala, com um tom amarelado fosco, com mesclas azuis bem claras que vão do chão até parte do teto, coberto de escamas. É assim a parede da sala onde mora Deus e o Diabo.
Tudo se tem na sala e tudo se encontra lá; e aí que se dão suas virtudes em serem, ambos, cultuados por toda a humanidade de fé.
De lá, da sala estreita, eles notam os humanos, manipulam os seus dias e ora ou outra, trocam gracejos sobre as peripécias de alguns pouco experientes.
Da janela frontal, próximo ao candelabro de cera, se vê um jardim florido, com crisântemos e margaridas, onde as estações revezam entre os meses. Deus escolhe o inverno e o Diabo anuncia o verão. Na primavera, o Diabo prepara as flores para que Deus possa murchá-las e derrubá-las pelo gramado dando-as outro destino. Vida.
Ambos moram na sala, dormem na sala e comem na sala. Preferem alimentos ricos em fibras e que não ataque o intestino. Evitam gorduras e condimentos.
Diariamente, ajudam um ao outro no trabalho diário e sempre que possível, lavam o chão com água e sabão.
As telas coloridas da sala reportam ao cotidiano dos homens os seus atributos diários. Deus prefere os sinais, os passos e a fala. O Diabo, o sorriso, o olhar e o pensamento. Ambos se completam, trocam repentinamente de nome e gostam de enganar os que se julgam inteligentes. Respeitam os sábios, mas não os ignoram em suas artimanhas.
Deus e o Diabo moram em uma mesma sala. Ambos não têm sobrenome e há de usarem muitos nomes quando se fadigam de seus arautos pessoais. Cada um tem seus amigos e ora ou outra, numa tarde de domingo ou terça, aparecem na sala quase sempre sem muitas expectativas. Tomam uma cerveja, falam de Sócrates, ciência e sexo. Acabam por haver amigos em comum, muito dispersos, de longa data.
Moram no atraso, na janela entreaberta e nos parênteses familiares. Trabalham duro nas intrigas de família, no nascimento da criança e nas salas de aula do ensino médio.
Um não vive sem o outro. Inventaram o amor, o ódio e a saudade. Alguns desses foram tidos como conseqüências rudimentares de ausência, mas vivem a experimentar outros diversos atos intrínsecos da alma.
Deus e o Diabo moram em uma mesma sala. Assistem seriados, invejam os autores e quase nunca saem para se divertir.
Fazem com que os homens que buscam de seus santos refúgios, imaginem entender um pouco da vida de ambos, que moram em um mesmo lugar e se alargam de dar atenção aos que nele se refugiam. Não é de costume misturar trabalho e vida particular.
Seus vizinhos teimam em taxá-los. Em dizer que um é mau e outro bom. Ambos, Deus e o Diabo são amigos e só dão-se a existir quando é lhes dado permissão. Não deixam vir às margens da virtude quem é quem nessa relação.
Por ora aparecem calúnias a respeito de Deus e o Diabo. Assuntos absurdos, de ordem categórica e audaz. Eles não respondem às essas miudezas ignorantes e continuam pagando suas contas.
A casa tem mais cômodos, mas os dois dividem suas diferentes manias numa mesma sala. Uns dizem que Deus mora em cima e o Diabo em baixo. A sala é o lugar onde moram e ainda não há interesse em mudar.

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