domingo, 8 de agosto de 2010

O menino e a rua

O menino corria pela rua. Seus olhos integravam-se ao azul do céu que cobria sua cuca quente. Seus pés mais pareciam cascos no áspero chão que pisava.
Passou pela banca de jornais, pelo poste de luz e pelo beco esburacado. O homem da banca seguiu-o com os olhos até cruzar a esquina. Um pouco antes, frente à loja de discos, o asfalto mudava seu ladrilho. O chão tinha duas cores e o piso amenizava a estranheza daquela rua cinzenta.
Ao cruzar a rua, a luz do sol lhe penetrou os olhos. O menino baixou a cabeça e novamente a levantou. A bermuda rasgada pelos bolsos e as costelas a mostra acima do umbigo raso. A sujeira era visível entre as cores bordadas no trapo da cintura. Levava em uma das mãos uma pequena gaiola de ferro que batia ora nas batatas magras ora no joelho.
Seus passos eram firmes e o olhar não desviava o horizonte. As pessoas viam aquele pequeno pássaro correndo descalço em busca de algo precioso. Sua imagem aparecia entre as pessoas que andavam pela avenida.
Passou pela rua principal, pelos carros parados e pelo senhor que conserta guarda-chuvas. Sua imagem logo ao aparecer, sumiu entre as grades da escola onde outros meninos brincavam no pátio. O farol fechou e os pés pisaram as faixas. Não teve tempo de parar. Não esbarrou em nenhum homem, em nenhuma mulher.
Na praça, desviou dos bancos e pulou um cercadinho. Seu olhar desviou-se rapidamente para as flores e logo voltou ao seu destino. Tinha sonhos e não sentia o frio, embora houvesse raios de sol entre as árvores, fazia frio entre os galhos e a blusa mais quente estava no cabide que não era seu.
Ouvia o canto dos pássaros que compartilhavam uma melodia triste de fim de tarde.
Passou em frente a varanda da velha que ainda não terminara seu chá. O cão apenas levantou a cabeça ao ouvir os passos do menino se aproximando, mas não ousou latir pois sabia que o menino não corria de ninguém, apenas seguia seu caminho.
A gaiola tilintava em um som baixo entre o ferro e os ossos do menino.
Ao longe, o jardineiro que trabalhava na grande casa pelos fins das quadras, viu a mazela imagem acompanhada por sua sombra. A sombra o seguia onde quer que fosse, mesmo que o menino não a visse, mesmo que não a percebesse, mesmo que não houvesse luz.
Naquele fim de tarde, ouvia-se o vento brando cantar ao pé do ouvido e o sol já avermelhado no céu que cobria seus passos. Passou pelas sacas de arroz e levantou uma singela poeira na calçada da venda. O dono levantou a pestana e apenas olhou para fora. Não viu o menino passar, apenas ouviu seus passos sumindo. Voltou a ler o jornal.
As casas com telhados quentes sentiam aos seus pés a correria. Houve quem esperasse a noite cair e as luzes acenderem-se. O som da música no rádio de pilha.
Os passos iam se cansando e o menino ia diminuindo, embora não estivesse determinado a parar. Chegou perto do beco estreito com o chão asfaltado por pedras desenhadas. No fim do beco estava uma pequena macieira velha e encurvada. Não havia bancos nem rosas no fim do beco, apenas a árvore.
Houve quem quisesse cortá-la dali e plantar outra. A macieira.
O menino entrou no beco e seus passos ficaram lentos e silenciosos. O céu coberto por um tom alaranjado forte e algumas sombras do beco confundiam-se com a rua. Os muros não eram altos e foi ali que o menino parou.
Sentou-se embaixo da árvore e colocou a gaiola ao seu lado.
Houve também quem não viu o menino passar. O menino parou para descansar. Encostou a cuca no tronco e esticou os cambitos. O joelho estalou.
Viu-se sozinho no fim do beco. Não ouvia barulho nas casas ao redor embora fossem poucas e insignificantes. Apenas olhava para frente com os olhos pensos. Em nada pensava, apenas sentia o vento em seu pescoço passar para as orelhas.
Olhou para a gaiola vazia e a aproximou dele. Passou o braço por ela como se fosse capaz de sentir algo por aquele objeto morto. Fechou os olhos e sentiu seu coração bater.
A noite já havia caído e o menino não tinha sono. Olhou para o céu e viu a lua. Sim, ela havia chegado.
Pegou na aba da gaiola e levantou-se. A árvore entristeceu-se.
O menino tomou novamente seu rumo. Algumas estrelas brilhavam no alto, o vento havia cessado e apenas passara pelas folhas da velha macieira. E o menino corria pela rua.

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