"O que me levou a escrever este texto foram alguns choramingos que tive em meus ombros. Amigos, que choraram a perda de um amor ou outros que foram vítimas de um término repentino de relacionamento. Por serem meus amigos, também fiquei triste por vê-los lamentar enquanto sofriam a ausência de seus seres amados e sempre estive pronto para ouví-los e até chorar junto. A dor de um amor que não corresponde é única e nenhuma é igual a outra"
Seus olhos estavam fechados. Embora ainda vissem suas vísceras brancas e a coloração apática do seu olhar, eles estavam crus, como sua alma estava cru e sua pele e o seu caminhar. Ele não via nada. O inverno em seu fim, o sol já anunciava a renascença, ainda faltando alguns dias para a primavera. Ora ou outra, refletia sobre as coisas que já havia conquistado com seu pequeno planejamento, mas se esquecia de tudo quando a lembrança do motivo daquela tristeza retornava à sua mente.
Sim, o sol voltou para mostrar que o frio não era mais ali, mas ele não o via. Não sentia o sol, não via as pessoas e se infiltrava cada vez mais no íntimo frio que sem perceber cultivou durante tanto tempo, confundindo com uma esperança de felicidade alheia. Havia depositado em um outro alguém, grande parte de suas horas e de dentes amarelos. O cheiro do corpo ainda, o risco da face era nítido e tudo parou assim. Seu tempo estagnou-se e nem sabia explicar por que mesmo com tanta ausência, não conseguia chorar.
Não tinha família, nem mãe, nem pai nem raio algum, tinha o oposto e não queria tê-lo somente. Já o teve tempo suficiente para querer outro alguém. Queria ter consigo quem já não mais queria tê-lo com os mesmos afetos de anos passados. Desejou voltar, desejou morrer e ao mesmo tempo desejou viver para provar que ainda é possível.
Viu a dor passar em outros parâmetros, em outras formas e em outras pessoas, mas essa dor, exclusivamente essa dor era dele e intimamente ela doía e doía mais do que todas as outras, do que em todos os outros. Era sua, de uma forma gradativa. Havia quem imaginasse sua dor ao não possuir mais a pele branca e as camisetas verdes perto de si. Ouve também quem o via e sabia qual a intensidade desse sofrimento.
A casa nunca esteve tão grande, os amigos distantes e ninguém o entendia, mesmo explicando e chorando em minutos exatamente iguais. Os sorrisos alheios o irritavam e mesmo ao lembrar de momentos felizes pessoais, irritava-se com facilidade por não enxergar atrás das flores que um dia também sorriu e acreditou.
Haviam flores, mas ele também não as via. E entre as flores havia pássaros que mesmo sem notá-los era possível ouvir o seu canto e saber que eles estavam ali, cantando. Havia o canto, mas não ouvia, o canto de nenhum outro. Era uma imagem parada em sua vista, que nem mesmo ele sabia como fugir. Virava o nariz, o tronco e parte do seu corpo e o frio continuava congelando sua antecedente primavera.
Olhos alheios assistiam essa dor construída inocentemente e lembravam dos vários sentimentos que também, um dia, o desnortearam durante grandes primaveras e sabia que pouco podia fazer, pois os olhos brancos não enxergavam os alheios. Nem quem pudesse dar objetos para serem quebrados, nem quem pudesse tentar convencer o dono da imagem estática a se fixar nele novamente, nem quem pudesse pedir aos céus para que isso tudo tivesse um fim instantâneo, nem ninguém podia ausentar esse silêncio íngreme.
Era das músicas, das epígrafes e dos sonhos que o acordavam durante a noite e não era mais de si, estava entregue, solto e manipulado por um desconhecido rumo que perseguia e levava seu ser ao impetuoso e gélido inverno da alma. As feridas mais intensas eram abertas com pequenas palavras.