terça-feira, 8 de junho de 2010

A menina e o canteiro

O trem não estava tão lotado quanto aos dias de rotina. Apesar de ser uma quarta-feira, haviam poucas pessoas naquele horário dentro do trem. Eu voltava de viagem e caminhava com as malas grudadas ao corpo. Foi quando ela entrou.
Sorrateira e tímida levava sobre a cabeça um canteiro com flores murchas e alguns ramos de folhas verdes. O cabelo crespo sumido entre mechas loiras era suporte da pequena caixa de madeira.
Entrou, com uma mão sustentando a caixa por seu equilíbrio e a outra na boca, molhando os dedos com a água da inocência. Roupa surrada, olhos atentos e covardia assumida. Era menina, menina do mundo.
Uma mulher perto da porta observava seus gestos rápidos. Um pequeno sorriso aparecia em seus lábios. Via e entendia a vida daquela menina e o canteiro.
Normalmente, enfiou-se entre os vãos dos bancos duros e colocou o canteiro sobre as pernas, tirou do bolso um doce e comia com paciência. A mulher observava.
A menina viu que era observada e retribuiu o olhar com um sorriso. Menina.
A mulher tirou do bolso um biscoito e ofereceu de longe à pirralha. Ela, por sua vez, não hesitou e em um pulo saiu dos vãos e foi até a bolacha, o canteiro veio junto. Olhar de confiança, olhar de suspeita.
Os demais olhavam a cena, assim como eu, admirando não o gesto, mas a vida e as maneiras da menina. Ela comia e ofereceu da mesma bolacha para quem a cedeu. A mulher recusou, agora era dela a comida.
Entendi, ou julguei entender, que o desejo daquela mulher estava calado com a impossibilidade de nada poder fazer para melhorar os dias daquela criança. Tinha vontade, mas sabia que ali a única coisa que poderia fazer era oferecer uma parte de um lanche que foi seu. Agora não é mais.
O pequeno sorriso mostrava uma pena daquela criança que podia estar brincando sobre o asfalto e plantando sonhos que talvez com o tempo houvessem de serem esquecidos.
A menina pendurou-se no ferro maior, mais alto e balançou por um instante. Seus pisantes, sujos pelo asfalto que não brincava, ficaram no chão.
O trem parou. A menina parou o balanço e voltou a ser grande. Notei em seu corpo os sinais de uma mulher, escondidos por uma lã vermelha e suja. Pegou o canteiro, colocou na cabeça e antes de andar olhou à mulher e sorriu. Eu sorri também, mas para eu mesmo. A mulher a seguiu com os olhos até a porta. Outros olhos a seguiam também, não só a menina.
A porta se abriu e a menina saiu sem ao menos olhar para trás. Poderia estar plantando sonhos de criança, mas plantava flores em seu canteiro.

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