A beleza abre o apetite. Há quem diga que ela se esvai com o tempo e quem acredita no eterno brilho. Controvérsias.
Ser ou estar bonito, é questão de dia, hora, aura, momento. O ser humano busca incessantemente a beleza do corpo, da alma, do olhar e esquece que a mente processa a beleza que o corpo proporciona.
Há quem prefira ser lindo e há quem queira ter um lindo. Para outros a beleza está no interior, supostos ingênuos que deveriam saber que admirador de beleza interior nada mais é do que decorador. É o primeiro sentido que se vê, a primeira das questões no vestibular da aproximação e também o primeiro prato a se colocar na mesa, bem ao lado da conversa sobremesa. Ter papo é tudo, unido logicamente de um hálito hortelã. Bom papo de enxofre não agrada nem o diabo que se acostuma com tais fatos.
Futilidade e belas curvas funcionam bem uma ao lado da outra. Há milagres que andam e se escondem por aí. Difíceis, ás vezes fáceis, mas sempre com uma aliança no dedo. Pessoas bonitas e inteligentes têm compromissos, senão não teriam essas duas virtudes em um só corpo.
O que tem bom papo, hortelã e camisa engomada não agrada no rosto. É inteligente, sucedido e bem informado de assuntos sexuais, mas na teoria. Vive solteiro a procura de uma saia rodada ou um dinheiro mal empregado.
Há quem diga também que ter um feio é melhor do que ter um lindo. Não há cobiça, não há perigo e há carinho, não exatamente nessa ordem e nem numa veracidade completa. Tudo em suas exceções.
O lindo nasceu assim e sempre será assim, o feio também. O máximo que o feio alcança é o bonito, o lindo não. O lindo não enfeia mesmo que engorde. Há exceções, claro.
À dois, quando se mostra a beleza em excesso de um lado, há questionamentos por parte dos invejosos sobre a tal aproximação. Ou o feio tem muito dinheiro ou tem o lindo como cria. Funciona também com as promoções de emprego.
Beleza tem suas dores, suas conseqüências, mas todas facilmente superáveis. Como se quem é muito bonito não venha a ter problemas financeiros ou amorosos - esses principalmente - por ter uma pele ou um cabelo de dar inveja. Inveja naqueles que não tem ou que criticam a posição do lindo. Os feios alcançam os melhores empregos, as melhores mulheres e os melhores carros (Sempre considere os fatos e não a ordem) Os lindos alcançam quando conhecem um feio que levanta seus caminhos, seja pela simpatia que sentiu pelo lindo, nunca ao contrário.
Interesses há em ambas as partes. O feio quer a beleza que não tem e o lindo o status que de uma maneira ou outra é conquistado.
Buscar a perfeição em um feio é algo complicado, pois por mais que haja emprego, sucesso e popularidade, o lindo vence somente por sua beleza.
Há quem tenha no espelho de Narciso a vergonha da imagem. O estado da alma revela a beleza do corpo. A felicidade acompanha o banho que lava o rosto.
Quem namora um lindo, anda preocupado, ligando e coçando a cabeça. A confiança é mínima e a convivência limita-se a uma redoma de cristais que não reflete a alma. Vê-se somente a carapaça.
Quem aposta na alma que não se vê, paga um preço justo. Tem as datas lembradas, comida boa e é amado, isso quando as exceções falham, pois há feios esquecidos que não se dão conta dos atos.
O perfume ameniza a falta de beleza e as roupas quase sempre são vistas em primeira mão, isso no feio. Fazem a diferença e não acrescentam nada. Diferente nos lindos que com uma camisa laranja velha continuam lindos.
Para os lindos, produtos de beleza dados como presente são complementos e realçam alguma coisa. Para os feios, são ofensa e necessidade.
Há quem prefira sofrer as escórias de se ter um belo monumento ao lado no banco do ônibus. Paga-se um preço por isso e ele é alto. Mais alto do que ficar só: concorrência, auto-dominação e oferecimentos sempre renovados, a não ser que haja humildade na parceria linda, coisa rara também no mercado.
Em outras palavras, a beleza excessiva vale por si só e completa os mais ambiciosos que querem provar, quase sempre para si, que conseguem manter um relacionamento com um semi-deus seja ele grego ou de classe baixa, ou os dois. Sem esquecer que a maioria deles se encontra nos lugares mais inesperados, onde raramente estamos e quase sempre de chinelos e meias.
Os que amam um feio quase sempre são feios também, porém é difícil haver dois lindos juntos. Não dá para explicar. Ou os lindos preferem ficar só, ou são rejeitados pelos menos bonitos por exatamente serem exuberantes. Lindos e feios combinam bem e são as maiores parcelas casadas no mundo.
Em outras palavras, há quem diga também que a beleza é primordial para entreter, ou para ser alguma coisa. Fato negado visto pelos maiores exemplos de sucesso serem tão feios e chamarem atenção por isso.
Beleza e feiúra destacam-se e ganham seus lugares na vida de todos. Discordo de quem diga que os lindos são mais felizes ou vice-versa. Lindo ou feio, nada mais são do que um padrão de escolha e um método para separar um do outro, porém de uma coisa não podemos discordar: todos querem ou ser ou ter um lindo, seja por um padrão que ninguém sabe quem inventou ou por mera vaidade.
Há também quem diga que o feio simpático é feio e o lindo arrogante, é lindo.
Neste blog, pequenos textos do muito que se vê, se fala e se vive na poesia calcada de suor no cotidiano. Assim como o feminino de 'leão' é 'leã', de 'cão' é 'cã', o diminutivo de texto é "Textículo"
segunda-feira, 28 de junho de 2010
terça-feira, 8 de junho de 2010
A menina e o canteiro
O trem não estava tão lotado quanto aos dias de rotina. Apesar de ser uma quarta-feira, haviam poucas pessoas naquele horário dentro do trem. Eu voltava de viagem e caminhava com as malas grudadas ao corpo. Foi quando ela entrou.
Sorrateira e tímida levava sobre a cabeça um canteiro com flores murchas e alguns ramos de folhas verdes. O cabelo crespo sumido entre mechas loiras era suporte da pequena caixa de madeira.
Entrou, com uma mão sustentando a caixa por seu equilíbrio e a outra na boca, molhando os dedos com a água da inocência. Roupa surrada, olhos atentos e covardia assumida. Era menina, menina do mundo.
Uma mulher perto da porta observava seus gestos rápidos. Um pequeno sorriso aparecia em seus lábios. Via e entendia a vida daquela menina e o canteiro.
Normalmente, enfiou-se entre os vãos dos bancos duros e colocou o canteiro sobre as pernas, tirou do bolso um doce e comia com paciência. A mulher observava.
A menina viu que era observada e retribuiu o olhar com um sorriso. Menina.
A mulher tirou do bolso um biscoito e ofereceu de longe à pirralha. Ela, por sua vez, não hesitou e em um pulo saiu dos vãos e foi até a bolacha, o canteiro veio junto. Olhar de confiança, olhar de suspeita.
Os demais olhavam a cena, assim como eu, admirando não o gesto, mas a vida e as maneiras da menina. Ela comia e ofereceu da mesma bolacha para quem a cedeu. A mulher recusou, agora era dela a comida.
Entendi, ou julguei entender, que o desejo daquela mulher estava calado com a impossibilidade de nada poder fazer para melhorar os dias daquela criança. Tinha vontade, mas sabia que ali a única coisa que poderia fazer era oferecer uma parte de um lanche que foi seu. Agora não é mais.
O pequeno sorriso mostrava uma pena daquela criança que podia estar brincando sobre o asfalto e plantando sonhos que talvez com o tempo houvessem de serem esquecidos.
A menina pendurou-se no ferro maior, mais alto e balançou por um instante. Seus pisantes, sujos pelo asfalto que não brincava, ficaram no chão.
O trem parou. A menina parou o balanço e voltou a ser grande. Notei em seu corpo os sinais de uma mulher, escondidos por uma lã vermelha e suja. Pegou o canteiro, colocou na cabeça e antes de andar olhou à mulher e sorriu. Eu sorri também, mas para eu mesmo. A mulher a seguiu com os olhos até a porta. Outros olhos a seguiam também, não só a menina.
A porta se abriu e a menina saiu sem ao menos olhar para trás. Poderia estar plantando sonhos de criança, mas plantava flores em seu canteiro.
Sorrateira e tímida levava sobre a cabeça um canteiro com flores murchas e alguns ramos de folhas verdes. O cabelo crespo sumido entre mechas loiras era suporte da pequena caixa de madeira.
Entrou, com uma mão sustentando a caixa por seu equilíbrio e a outra na boca, molhando os dedos com a água da inocência. Roupa surrada, olhos atentos e covardia assumida. Era menina, menina do mundo.
Uma mulher perto da porta observava seus gestos rápidos. Um pequeno sorriso aparecia em seus lábios. Via e entendia a vida daquela menina e o canteiro.
Normalmente, enfiou-se entre os vãos dos bancos duros e colocou o canteiro sobre as pernas, tirou do bolso um doce e comia com paciência. A mulher observava.
A menina viu que era observada e retribuiu o olhar com um sorriso. Menina.
A mulher tirou do bolso um biscoito e ofereceu de longe à pirralha. Ela, por sua vez, não hesitou e em um pulo saiu dos vãos e foi até a bolacha, o canteiro veio junto. Olhar de confiança, olhar de suspeita.
Os demais olhavam a cena, assim como eu, admirando não o gesto, mas a vida e as maneiras da menina. Ela comia e ofereceu da mesma bolacha para quem a cedeu. A mulher recusou, agora era dela a comida.
Entendi, ou julguei entender, que o desejo daquela mulher estava calado com a impossibilidade de nada poder fazer para melhorar os dias daquela criança. Tinha vontade, mas sabia que ali a única coisa que poderia fazer era oferecer uma parte de um lanche que foi seu. Agora não é mais.
O pequeno sorriso mostrava uma pena daquela criança que podia estar brincando sobre o asfalto e plantando sonhos que talvez com o tempo houvessem de serem esquecidos.
A menina pendurou-se no ferro maior, mais alto e balançou por um instante. Seus pisantes, sujos pelo asfalto que não brincava, ficaram no chão.
O trem parou. A menina parou o balanço e voltou a ser grande. Notei em seu corpo os sinais de uma mulher, escondidos por uma lã vermelha e suja. Pegou o canteiro, colocou na cabeça e antes de andar olhou à mulher e sorriu. Eu sorri também, mas para eu mesmo. A mulher a seguiu com os olhos até a porta. Outros olhos a seguiam também, não só a menina.
A porta se abriu e a menina saiu sem ao menos olhar para trás. Poderia estar plantando sonhos de criança, mas plantava flores em seu canteiro.
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