sábado, 15 de maio de 2010

A Sala

Não estavam todos na sala. Faltava a avó, a tia mais nova e a adotada. Os pratos sujos e lambidos, agora não eram pratos, apenas louça, estorvo. Os mais novos corriam na varanda e irritavam a cadela. A alegria tomava conta do lugar. A família assistia um vídeo de aniversário, embora fora gravado há quase vinte anos.

Estavam juntos após grandes momentos perdidos no trabalho e na escola. Sequer notaram a alegria sendo compartilhada novamente, resguardada durante algum tempo.
Os tios planejavam para o outro dia, uma pescaria e peixes do tamanho de bois. Exagero.

- Sai da frente moleque! Gritava a mãe do menor. Irmã mais velha, que no vídeo era novata na experiência de peito. O mais novo corria sobre o piso desenhado, junto com a prima de mesma idade e o de nove.
A cada cena daquele aniversário, maneiras esquecidas eram despertadas nos parentes da sala. Naquele tempo, a tia segunda cantava letras de músicas infantis, coisa que não ousaria nos dias de hoje, talvez pela falta de tempo ou pela monotonia do casamento.
O tio terceiro apontava o vídeo e dizia os nomes de amigos dos quais não recebia noticias há anos. Seus olhos brilhavam e o sorriso quase não aparecia, escondido pela euforia dos fatos narrados na tela colorida.
As roupas, cabelo, a moda era outra. O que hoje é ridículo era exaltado no aniversário.

Enquanto assistiam, o jovem dotado de sonhos e capacidade de lutar desejou que muitas famílias pudessem reviver momentos de união como o que estavam vivendo naquele momento. Era sonhador.
A massa no prato esfriou e perdeu o gosto. O vídeo ganhara mais sabor.
Era quase madrugada e o frio já não incomodava. A porta de madeira, escancarada, deixava entrar a fumaça do cigarro do tio.
- Olha lá o pai, Sônia! Falou a mais velha em tom sereno.

Todos atentaram ao vídeo. O silêncio tomou conta do lugar. Os sorrisos pararam como gelo. Sem tirar os olhos da imagem, a cunhada ajeitou o vestido e sentou-se melhor no sofá. Os netos, que não conheceram o avô, pararam no minuto que antecedia a emoção da família. Era o avô.
O velho falecido despertou a saudade e fez o filho lembrar da adotada que havia engravidado antes dos dezesseis, pelas bandas interioranas. Para o irmão mais velho, inaceitável. Se o pai estivesse vivo não teria deixado. As lágrimas encheram-no os olhos e o gelo das feições, aqueceu o perdão ressuscitado com o falecido.
O avô era um tipo herói e mesmo não estando entre a família, apareceu com sua parte de vida cumprida.

Na época, ainda não havia a faculdade para a falta de tempo. Tinham metade, senão menos, da renda atual, mas eram realmente felizes.
Começaram a falar dos antepassados e o vídeo foi desfalecendo-se. A louça foi recolhida e a pescaria adiantada. As crianças comiam bolachas e a cadela deitou-se na caixa forrada. Melhor assim.
A fita embolorada foi retirada do aparelho. Entre um momento e outro, mesmo participando da alegria concreta, o jovem, único a permanecer, estudava em silêncio quanto tempo haviam perdido com brigas fúteis. A família ocupou-se com a madrugada.
Sobrara apenas o sonhador na sala. Olhou-a, estava pouco iluminada e vazia. Novamente vazia.

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