domingo, 30 de maio de 2010

Estadão: Trinta dias de Impressões

Exatamente quando postei este texto, completei um mês em um emprego que me deixou muito feliz e me fez bater a cara em diferentes pedras em pouco tempo. Desde o dia três de maio, estou prestando serviços ao Estadão, um dos jornais mais conceituados do país. Tem lá seus concorrentes, mas é muito bem visto pelos brasileiros. Neste tempo, em uma empresa de grande porte, tive algumas experiências que me fizeram refletir sobre a vida, dias e sobre o próprio trabalho em si. Há uns dias, postei um texto sobre a semelhança entre o Amor e o Trabalho (vide abaixo post de 03/05/2010 ‘Amor X Trabalho’) e notei que o trabalho engloba muito mais do que apenas o amor. Ele é a tua vida!
Na primeira semana, tudo novo: pessoas, lugares, chefe, serviços. Sou daqueles que precisa ter um lugar para trabalhar que seja meu, como um computador com um papel de parede super artístico, uma mesa grande onde caibam além do teclado/mouse, canetas, dvd’s e uma foto da mãe ao lado do micro. Aqui não foi possível. Os jornalistas têm suas mesas separadas por pequenas colunas, trabalham um em frente ao outro. Eu e o outro funcionário que entrou comigo, trabalhamos em um mini corredor, frente para o estúdio, seguido daquela redação imensa de jornalistas, inclusive do meu chefe.
O trabalho foi corrido, no primeiro dia, saí uma hora depois do horário, depois de ouvir o estagiário reclamar dos equipamentos e o outro funcionário destrinchar uma lista de quem é ou não é, ali dentro.
No segundo dia, confesso que tive vontade de chorar, de ir embora, me roçar embaixo da saia da mãe e não voltar mais para perto daqueles ‘bobos’! Muita gente, idéias diferentes, o refeitório mais parecia uma cadeia, com bandejas e muito bife. Fiquei triste pelo fato de saber que minha vaga ainda não é efetiva e sim um colaborador, como free-lance. Meu crachá com a foto que eu já tinha tirado, não chegava, nem e-mail interno eu tinha. Estava ali e não me sentia ali. Sem contar o fato de ser super longe de casa, lá na casa do Limão (para não dizer outra coisa) Liguei para uns quatro amigos na hora do almoço para me sentir mais perto deles e, claro, encerrei a maratona de ligações com minha amada mãe.
Lá para o fim da semana, resolvi os aperreis do crachá, e-mail e integração, me conformei com o fato de não fazê-la. Msn nessas horas ajuda muito – ou não – para conversar com amigos que continuam nos mesmos empregos.
Sobre as pessoas que trabalham comigo, um deles estava há pouco mais de quatro meses, outro era estagiário e outro começou comigo. O meio social é um dos mais complexos para eu me adaptar. O estagiário julgava saber e dar a última palavra. Tinha umas manias e um jeito que não me agradavam, porém novatos ainda não falam. Até que, ao começar a segunda semana, ele – o estagiário - teve uma leve discussão com o outro novo funcionário. Isso foi parar na mesa do chefe e resumindo, tivemos uma reunião de cúpula e o estagiário foi desligado depois de faltar quatro dias consecutivos.
O outro novo funcionário é o que chamamos de ‘gente fina’, apesar de eu e ele nos desentendermos em duas ou três palavras, até agora nossa convivência é sadia e bem sadia eu diria, pelo fato de darmos altas risadas em piadas em comum. Mesma idade quase.
O ritmo de trabalho aumentava e ficava intenso, porém gratificante. Gravações ao vivo, respostas do público quase que imediatas, vídeos diferentes postados no site, visitas, saídas para a rua. Esse feedback do público que acompanha soa como uma agradável resposta ao meu trabalho.
No final da segunda semana, fomos até a Livraria Cultura gravar um evento promovido pelo Estadão. Eram debates sobre internet e comunicação on-line que teria a cobertura da TV. Enfim, motoristas levavam, a gente montava o circo (encontrei um amigo da faculdade trabalhando lá) gravava e... o almoço voava. Tenho um certo trauma de ficar sem comer, tudo culpa da faculdade e seus infindáveis estágios. E durante o evento, a tortura de ficar sem comer, dor de cabeça e espera do motorista para buscar, era o que me irritava mais. Tudo isso vale para ficar trabalhando com free-lance? Lembrava quase que imediatamente do salário, que de momento, valia a pena. Outra dorzinha na cabeça, foi a passagem desses vídeos para o site. O trampo era dobrado, pois tinha que editar, colocar legendas, renderizar (quem edita, sabe) Tanto foi, que numa sexta feira pirracenta, fiquei até as quatro e meia da madrugada jogando tudo na internet. Não queria vir no fim de semana. O bom disso foi descobrir que os motoristas do Estadão te levavam até em casa quando seu horário passasse das onze da noite. Santos motoristas!
Depois dessa descoberta, me senti importante e bem. O fato de não pegar trem, metrô e um jegue para chegar em casa, já me fazia trabalhar com mais afinco.
Meu chefe é sossegado. Pergunta o que estamos achando do emprego, não pressiona além da conta e sabe da importância de trabalhar e descansar. Não que eu esperasse um carrancudo, mas posso dizer que até agora sempre tive sorte com chefes, ou líderes. Assim que comecei, ele perguntou meu gosto musical. Não iria suscitar tudo, mas disse do meu gosto por jazz. Ao lembrar disso, alguns dias depois, ele disse que teria um festival bom para o fim do mês e me mandou a programação por e-mail. Sabia que tinha que ir, e fui. Assim como ele, as pessoas mais influentes são simpáticas também. Fiquei com medo daquela história dos super arrogantes. Até agora conheci poucos assim.
Na terceira semana, entrou a última funcionária da saga TV Estadão. Fora as impressões de primeiros contatos, ela demonstrou-se interessada e preocupada até demais em determinadas ocasiões, mas tudo começou a entrar nos eixos quando um precisou contar com o outro e o serviço saiu.
Nessa última semana, meu horário mudou e fiquei sabendo que farei plantão aos domingos por causa do futebol (logo, o futebol!) mas, como curativo, terei de folga as sextas e parte das quartas-feiras. Trabalhar de domingo parece repugnante, mas irei somente gravar um vídeo rápido, colocá-lo na internet e voltar para casa de carro, adesivado com o logo do Estadão, Rádio Eldorado e outros laiás.
Enfim, estou completando um mês de Estadão. Trinta dias cumpridos e compridos. Nesse tempo, vi o que é trabalhar em equipe, embora ainda estejamos nos afinando. Fiz minhas percepções de trabalho, pessoas e dias corridos dentro de uma super redação que move a comunicação impressa do país. A Globo gravou em nosso estúdio, a Cultura e me senti mais perto de tudo aquilo que apenas via na teoria. O fato que me chamou mais a atenção e que não deixa de ser um tabu, é as super faculdades onde estudaram meus companheiros de trabalho hoje. Tem gente da USP, PUC, Cásper, Anhembi e gente que nem fez faculdade, mas estamos todos ali, num barco navegante. Não que eu queira erguer a bandeira da minha faculdade, mas percebi que faculdade é apenas uma etapa. Comprovante de sua capacidade é o seu próprio esforço.
Antes que esse texto pareça mais auto-ajuda, completo que todos os dias, exercito os caminhos as serem tomados para alcançar outros objetivos. Trabalhar em uma grande empresa não demonstra somente obter outros grandes compromissos, mas enxergar outros e novos desafios. Confesso que estou muito feliz com esse novo emprego e como me disse um amigo de faculdade: “É para isso que estudei essa porra!”

sábado, 15 de maio de 2010

A Sala

Não estavam todos na sala. Faltava a avó, a tia mais nova e a adotada. Os pratos sujos e lambidos, agora não eram pratos, apenas louça, estorvo. Os mais novos corriam na varanda e irritavam a cadela. A alegria tomava conta do lugar. A família assistia um vídeo de aniversário, embora fora gravado há quase vinte anos.

Estavam juntos após grandes momentos perdidos no trabalho e na escola. Sequer notaram a alegria sendo compartilhada novamente, resguardada durante algum tempo.
Os tios planejavam para o outro dia, uma pescaria e peixes do tamanho de bois. Exagero.

- Sai da frente moleque! Gritava a mãe do menor. Irmã mais velha, que no vídeo era novata na experiência de peito. O mais novo corria sobre o piso desenhado, junto com a prima de mesma idade e o de nove.
A cada cena daquele aniversário, maneiras esquecidas eram despertadas nos parentes da sala. Naquele tempo, a tia segunda cantava letras de músicas infantis, coisa que não ousaria nos dias de hoje, talvez pela falta de tempo ou pela monotonia do casamento.
O tio terceiro apontava o vídeo e dizia os nomes de amigos dos quais não recebia noticias há anos. Seus olhos brilhavam e o sorriso quase não aparecia, escondido pela euforia dos fatos narrados na tela colorida.
As roupas, cabelo, a moda era outra. O que hoje é ridículo era exaltado no aniversário.

Enquanto assistiam, o jovem dotado de sonhos e capacidade de lutar desejou que muitas famílias pudessem reviver momentos de união como o que estavam vivendo naquele momento. Era sonhador.
A massa no prato esfriou e perdeu o gosto. O vídeo ganhara mais sabor.
Era quase madrugada e o frio já não incomodava. A porta de madeira, escancarada, deixava entrar a fumaça do cigarro do tio.
- Olha lá o pai, Sônia! Falou a mais velha em tom sereno.

Todos atentaram ao vídeo. O silêncio tomou conta do lugar. Os sorrisos pararam como gelo. Sem tirar os olhos da imagem, a cunhada ajeitou o vestido e sentou-se melhor no sofá. Os netos, que não conheceram o avô, pararam no minuto que antecedia a emoção da família. Era o avô.
O velho falecido despertou a saudade e fez o filho lembrar da adotada que havia engravidado antes dos dezesseis, pelas bandas interioranas. Para o irmão mais velho, inaceitável. Se o pai estivesse vivo não teria deixado. As lágrimas encheram-no os olhos e o gelo das feições, aqueceu o perdão ressuscitado com o falecido.
O avô era um tipo herói e mesmo não estando entre a família, apareceu com sua parte de vida cumprida.

Na época, ainda não havia a faculdade para a falta de tempo. Tinham metade, senão menos, da renda atual, mas eram realmente felizes.
Começaram a falar dos antepassados e o vídeo foi desfalecendo-se. A louça foi recolhida e a pescaria adiantada. As crianças comiam bolachas e a cadela deitou-se na caixa forrada. Melhor assim.
A fita embolorada foi retirada do aparelho. Entre um momento e outro, mesmo participando da alegria concreta, o jovem, único a permanecer, estudava em silêncio quanto tempo haviam perdido com brigas fúteis. A família ocupou-se com a madrugada.
Sobrara apenas o sonhador na sala. Olhou-a, estava pouco iluminada e vazia. Novamente vazia.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Amor X Trabalho

Uma interligação interessante aproxima o trabalho cotidiano com as fabulosas artimanhas de relacionamentos amorosos. O emprego tem uma linha em nó com casos que permeiam os corações entre o afeto do amor que assemelha-se com o ato útil e rotineiro que chamamos de trabalho. Pode parecer um tanto frio ou até mesmo grotesco comparar interesses afetivos do coração com o ato necessário que dignifica o homem, mas há sim, uma verossimilhança curiosa entre amor e trabalho, analisadas em partes sensíveis e remuneradas.
O emprego exige um perfil, dom, diploma. Há dotes que se aprendem na escola e teorias que se fortificam com a prática. Para o pedreiro, a amizade com o cimento; Para o médico o cheiro do sangue; Como para a prostituta, o corpo sem beijos. No amor as exigências são únicas e distintas para cada pessoa. Um gosta das curvas, outra dos olhos e seus mistérios, outro dos seios, outra da inteligência, outros de outros. O perfil, conta tanto no trabalho como no amor. O currículo? Cartas. As músicas, a trilha do rádio ligado ao lado da mesa no escritório.
As melhores e passageiras aproximações do amor ocorrem entre música alta, ou na varanda da noite ou no banheiro da rodoviária. São como os trabalhos free lance, onde se ganha mais, trabalha-se rápido e a ousadia assina o resultado. As transas perigosas e sem sentimento são as mais ardentes e merecidas do gozo contínuo. Nem se lembram nomes e sim da foda. Nem da empresa, mas do produto.
Os empregos fixos são como os namoros ensaio-casamento. Nove, dez, doze anos ensaiando para um dia ser demitido e vagar em busca de um corpo free-lance. Quem casa com a empresa corre o risco de ficar hipertenso, ranzinza e com varizes, mas tem um casamento duradouro, broxante e ao mesmo tempo, invejável por aqueles que apenas trabalham com freelas, sem filhos ou netos correndo pelo quintal.
As indicações também servem no amor, pois a amiga fala mal do ex porque ainda ama e quem ouve sabe que o dito faz bem e pode trabalhar nele daqui para frente. A concorrência esconde a intolerância. As melhores vagas são silenciosas, fora de painéis iluminados. Ninguém ama um sujeito jogado num caderno de emprego, como é raro conhecer alguém que trabalhe numa multinacional depois de ficar anos solteiro, ou melhor, desempregado. Tem aqueles que pagam pouco, não registram em carteira e ainda não fazem sexo oral. Ninguém, estando neste século, trabalha em um emprego sem o tal do sexo oral. É preciso falar, sem tabus.
O divórcio é como o sócio que alimenta amizades com fornecedores e clientes principais da empresa que ainda presta contas, para mais cedo ou mais tarde montar seu próprio negócio, levar as ações e depois ver o parceiro chorar no tribunal, pois os filhos tinham direito ao dinheiro lavado da conta de ambos. Sendo assim, os clientes são os amantes e a empresa o antigo home sweet home.
Tem gente que esquece o crachá da empresa no pescoço quando vai encontrar o amor na estação e se pudesse, teria no sobrenome o nome da multinacional.
Há também as paqueras de trabalho. A velha história do mandar cartas de amor a outras empresas enquanto se trabalha nela. Empregos anteriores servem de referência para um amor atual. Uma coisa que não pode acontecer - no caso do amor - é ligar para pedir referências passadas. Empresas batem de frente na concorrência, no amor é igual.
A sogra, maldita por memória, são os chefes que vêm de brinde num emprego bom. A história do amor ao trabalho e o ódio ao chefe, mas há quem goste dele e troca bolachinhas, mesmo que em alguns casos a sogra seja homem.
A nova casa tem computador, mesa redonda e máquina de café. Lá se dorme, cochila e trabalha. Para as segundas e quartas, stress e às vezes sexo escondido depois do expediente, com a secretária ou com o estagiário. No escritório, os filhos, a TV, o fogão para as mais moderninhas. Os ambientes se misturam em degradê, com a cor da parede. O quarto principal é a sala do encarregado e do subordinado, o Box apertado perto da janela.
O salário vem em duas partes, com descontos em folha do INSS, poupança e do empréstimo para o casamento.
O trabalho e o amor estão separados em lados: um do lado profissional e o outro do lado pessoal, ou seria no lado sentimental? Há de se concordar que um dignifica e o outro destrói. Não há sorte nos dois ao mesmo tempo da vida, ou há? Afinal, são tantos lados que não se sabe se é necessário amar o trabalho ou trabalhar melhor o amor.