Robson não jogava futebol. Ficava sentado no palquinho do páteo, lendo um seiláoque, enquanto eu me distraía fingindo ser próximo no vôlei e intercalando no ping-pong da salinha. Na verdade eu tinha asco das aulas de educação-física.
As aulas na quadra eram as de maior tortura para mim. O quadradinho livre dos fundos dava para jogar um hand, queimada ou o
melhor pior: pular corda, embora esse último eu evitasse.
O espaço maior era o do futebol. Montado, estruturado e pintado para o futebol. O professor, nitidamente, alimentava o sonho daqueles meninos, excluindo eu, de um dia tornar-se ao menos, reserva em um time futeboleiro.
Nunca ousei jogar. Nunca gostei, achava besta, inútil e tinha medo de a bola bater em mim e eu morrer. Futebol nunca foi minha praia e era hostilizado quando, por obrigação, tinha que me juntar ao vôlei ou ficar petecando a bola contra a parede para não ser inexistente.
Todos os meninos jogavam, menos eu. Ah, e o Robson.
Ele nem era da minha sala e eu sempre o achei bonito. Desses que tem rosto firme, pele branca e pelos no braço. Embora fôssemos adolescentes, alguns de nós tínhamos pêlos a mais. Robson era um caso que me atraía. Nunca me olhou. Um dia percebi que não jogava futebol com os demais da sala dele. Lia.
Em meu íntimo, fazia uma analogia quase psíquica, que – meninos que não jogavam futebol – eram conversáveis. Dava para falar de videogame, música ou filmes. Hoje eu entendo que, eram outra coisa.
O Alex, Ricardo, Elder também não jogavam. Wesley ora ou outra ia para o vôlei, mas suava a camisa mesmo na quadrona, correndo atrás da bola.
Tinha a Cris, uma menina que jogava com os meninos e fazia gol, até. Era chamada de sapata, godzila e gordona-homem. Um dia ela cortou o cabelo no estilo Joãozinho.
Eu, que nunca joguei, achava mesmo que uma distância separava os que gostam dos que não gostam de futebol. Gostava: hétero era. Não gostava: a gente não fala.
Era quase uma regra. Meninos jogam futebol, meninas, outras coisinhas. Eu tava fodido. Nunca ia jogar futebol, nem para despistar; e sofria, até sexta à tarde.
Nunca estive tão certo que, futebol era a priori dos meninos-machos. E menina que jogasse era até ok, mas menino que não...
Com o tempo, fui aprendendo a driblar esses lances. Dama, tentei o xadrez e quase consegui convencer que eu apenas não me interessava pelo esporte, só isso.
O tempo passou, terminei os estudos e o fantasma do futebol foi tornando-se um gaspar.
Até cheguei a conhecer um amigo, que jogava num time de futebol profissional. Trabalhamos juntos, ele após o jantar ia para o jogo, voltava, terminava o expediente e no finzinho da noite, voltava para casa, para o seu amor. Era casado, com um homem. Isso ele nunca assumiu para mim, mesmo com nossa amizade e toda a minha desconfiança. Falou que era um primo.
Um dia num bar, considerando mais tempo passado, reconheci o Robson entrar, sentar e me olhar. Não se lembrou de mim e puxou assunto como um novato que ele nunca viu na escola. Horas depois, bêbado que estava, descobri enquanto chorava, que tinha perdido o amor para outro alguém. Falou que o homem dele casou-se com uma senhora e teve filho com ela. Contou detalhes que o amante não quis mais morar junto quando Robson ameaçou oficializar o que era amasiado. Contou também que até o time de futebol que o ex jogava, expulsou-o do time, por Robson ir buscá-lo no treino, de carro. Havia sim, grau de parentesco: paixão.
Um dia, ao encontrar o ex-amigo, disse que vi Robson, tudo bem. Empalideceu, ficou sem graça e disse gostar muito do moço. Dei indireta, insisti que eles amaram-se. Sabe o que ele disse? Sou homem
rapá, cabra-macho, jogo futebol!
Me senti um besta em não falar ao Robson que eu também não gostava de futebol na época da escola.